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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Uma guerra irracional

As gigantes do Vale do Silício e as gigantes da China têm uma relação simbiótica

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A Huawei é a segunda maior fabricante de smartphones do mundo. Foto: Tim Chong/Reuters

A bizarra e agressiva decisão americana de proibir relações comerciais com a Huawei, a gigante digital chinesa, no curto prazo abala a companhia. Também prejudica imensamente consumidores. Quem mais se dá bem não é nenhuma empresa americana – pelo contrário, é uma sul-coreana, a Samsung. No médio e longo prazos, a ação, que de americana não parece nada, tende a prejudicar justamente as companhias do Vale do Silício.

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Aliás, talvez nem a tão médio prazo assim. Afinal, as gigantes do Vale e as gigantes da China têm uma relação simbiótica. Mude o tênue equilíbrio e a explosão pode ser feia.

Para a Huawei, as ameaças sérias e imediatas vêm de duas relações cortadas: com o Google e com a japonesa ARM.

O sistema Android, que roda em 9 de cada 10 celulares, funciona com uma licença de software livre. A Huawei pode continuar a usá-lo assim como pode usá-lo de base para construir seu próprio sistema – coisa que já está fazendo. Metade dos celulares que vende são na China. Não muda nada. Muda para a outra metade – vendida na Europa e nas Américas. Aqui, componentes do Google como a busca, o Gmail e a própria PlayStore são essenciais. Sem poder usá-los, a Huawei perde.

É uma pena. Seu aparelho recém-lançado aqui no mercado brasileiro está no mesmo nível dos três melhores celulares que há – o último Apple iPhone, os Samsung S10 e o Google Pixel 3. Ter quatro celulares de peso disputando espaço faz bem para os preços – até porque a Huawei cobra propositalmente abaixo por algo de igual valor.

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Se a ARM mantiver o bloqueio a coisa é bem mais séria. Originalmente britânica, comprada recentemente pela japonesa Softbank, tem patentes fundamentais para a construção de chips. A Huawei pode viver sem Intel e Qualcomm – pode fabricar seus próprios chips. Mas, sem poder licenciar tecnologia da ARM, fica muito mais difícil. Não afeta apenas o negócio dos celulares, mas também o equipamento para infraestrutura de telecomunicações que inclui antenas e roteadores usados por todo mundo para erguer redes 5G.

Se a Huawei não puder licenciar projetos da ARM para desenhar chips, não poderá fazer equipamento 5G. É a principal fornecedora do mundo deste tipo de equipamento. Para as operadoras de telecom, o preço de construir as redes vai aumentar, a qualidade vai piorar e a demora será muita.

Bloquear a Huawei é um desastre para todo mundo.

Só que, grande como é, obstinada como é, e com o apoio do governo chinês, a Huawei vai sobreviver e, após um ou dois anos, dará a volta por cima. Já agora mesmo, tomados por ímpeto nacionalista, chineses estão largando iPhones para comprar P30s. Trata-se de uma empresa com imensa penetração no mercado asiático. Com chips próprios e sistema próprio, terá poder de fogo para abrir um rombo nos espaços que Apple e Google têm no continente mais populoso, aquele onde o mercado mais cresce. Para os americanos, é péssimo.

E pode ficar muito pior. Se a China optar por uma retaliação, ela terá na Apple o alvo perfeito. Cortar a Huawei do ecossistema balança a companhia chinesa. Corte a Apple e a proporção do terror é muito maior. Se Beijing optar por proibir negócios com a Apple, tem reservas bem mais que suficientes para indenizar as empresas locais que terão prejuízo. Mas a companhia fundada por Steve Jobs não terá onde fabricar iPhones, iPads e Macs no mesmo volume ou com a mesma qualidade.

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A sirene de alerta vermelho está tocando em Cupertino.

O gesto do governo Donald Trump não é contra uma empresa – é contra todo o negócio de alta tecnologia que, no mundo, é interdependente. E é contra nós, consumidores.

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