Como o Facebook quer ter óculos de realidade virtual ultrarrealistas

Reality Labs, divisão de metaverso da companhia, mostrou os obstáculos e caminhos para ter um dispositivo capaz de enganar os olhos

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Foto do author Bruno Romani
Por Bruno Romani
Atualização:
Parede de protótipos do Reality Labs tenta encontrar o caminho para os óculos perfeitos Foto: Divulgação

Em outubro do ano passado, o Facebook virou Meta para refletir a aposta no metaverso, ideia que une elementos virtuais ao mundo real. Desde então, a companhia mostrou pouca coisa concreta sobre como pretende avançar — enquanto isso, a divisão da companhia responsável pelos projetos (a Reality Labs) vem registrando seguidos prejuízos. Nesta semana, porém, Mark Zuckerberg mostrou um pouco dos esforços para levar realidade virtual (RV) e realidade aumentada (RA) para o “mainstream”. 

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O fundador da companhia realizou uma mesa redonda com veículos de diferentes países, incluindo o Estadão, para mostrar os avanços e obstáculos para criar óculos de RV com capacidade suficiente para que o conteúdo seja interpretado pelos nossos olhos como “real” — segundo ele, nenhum dispositivo do tipo já lançado é capaz de fazer. A apresentação mostrou um caminho longo, e a companhia desfilou apenas protótipos e nenhum produto pronto para comercialização.

Para determinar se os óculos atingiram a capacidade de enganar os olhos, a Reality Labs criou um teste chamado de “teste visual de Turing”. A inspiração é clara: o teste de Turing, criado em 1950 por Alan Turing para avaliar se um computador poderia passar como “humano”. O teste visual de Turing, portanto, se refere a como máquinas conseguem exibir conteúdo que passe como “real”. “É um teste completamente subjetivo, porque o importante nele é a percepção humana do que está sendo visto, a experiência humana, em vez de medições técnicas. É um teste no qual nenhuma tecnologia de RV pode passar hoje”, afirmou durante a apresentação Michael Abrash, cientista-chefe do Reality Labs. 

As pesquisas indicaram quatro áreas em que é necessário avançar para passar no teste visual de Turing: resolução, foco, distorção e brilho. Todas parecem inerentes a quem deseja produzir telas, mas algumas das regras e conquistas atingidas por fabricantes de TV e celular não são válidas para os painéis de RV. 

Resolução

Protótipo Butterscotch tenta aumentar a resolução de óculos de realidade virtual Foto: Divulgação

Resolução é o básico de quem planeja produzir painéis realistas. Sem o volume necessário de pixels, a imagem fica distorcida, o que alerta os nossos olhos (e cérebro) de que a imagem não é “real”. Em telas 2D, como de TVs e celulares, isso já foi resolvido há algum tempo. Porém, em óculos de RV, que tem ângulo de visão muito maior, isso ainda não aconteceu - são necessários muitos pixels para preencher toda essa área. 

“Estimamos que, para obter uma visão 20/20 (parâmetro médico que indica visão saudável) em todo o campo de visão humano, seria necessário alcançar mais de 8K de resolução”, afirmou Zuckerberg. Para atingir o patamar mínimo de resolução para enganar os olhos, a empresa estima que são necessários 60 pixels por grau do campo de visão. 

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Assim, a companhia produziu uma lente híbrida compatível com a resolução mais alta, pela qual foi possível atingir a resolução de 55 pixels por grau. Ela faz parte de um dos protótipos mostrados na mesa redonda. Chamado de Butterscotch, os óculos têm uma série de circuitos e placas expostos, o que mostra que ainda há um longo caminho. Além disso, ele tem outra limitação: o campo de visão foi reduzido para cerca de 60 graus, metade do apresentado do Quest 2, comercializado pelo Facebook — a marca também está longe da amplitude do campo de visão humano. A ideia da companhia é continuar avançando para ampliar o campo de visão com alta resolução.

Foco

Família Half Dome evoluiu para incluir tecnologia varifocal e reduzir peso e tamanho Foto: Divulgação

Outro problema detectado pelo Reality Labs é como óculos de RV trabalham contra o funcionamento padrão dos nossos olhos. “No mundo real, as lentes dos nossos olhos mudam de formato constantemente para focar na distância de qualquer coisa que olhamos. Assim, elas captam adequadamente a luz que chega dessa distância. Mas não é isso que acontece na RV”, falou Abrash. Ou seja, equipamentos do tipo têm problema na profundidade do foco. 

“Isso significa que o ponto de foco é fixo. Geralmente, esse ponto fica em torno de 1,5 a 1,8 metro à nossa frente, para vermos as coisas que estão mais longe. O problema é que objetos virtuais a uma distância muito mais próxima do que essa enviam sinais conflitantes ao nosso sistema ocular”, completou Zuckerberg. A luta para encontrar foco a partir de um ponto fixo é um dos responsáveis pela fadiga que óculos de RV causam nas pessoas - para uma companhia que planeja imersão total no metaverso, esse é um grande obstáculo para o uso contínuo dos equipamentos. 

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A solução do Facebook foi desenvolver lentes que se movem de forma dinâmica, como o foco automático de uma câmera. A tecnologia, batizada de varifocal, altera a profundidade focal para corresponder ao ponto que olhamos. 

Assim, a equipe mostrou uma sequência de protótipos, batizada de Half Dome, que mostrou melhorias na tecnologia varifocal, além do tamanho e do peso do aparelho. Na versão mais recente, o Half Dome 3 ampliou o campo de visão da tecnologia para 140 graus, reduziu o peso em 200 gramas e substituiu as partes mecânicas por lentes de cristal líquido. 

Novamente, a companhia admite que óculos com a tecnologia ainda estão longe da comercialização. O Reality Labs diz que é preciso melhorar o rastreamento ocular do usuário para que o foco automático funcione de maneira satisfatória.

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Distorção 

Teste do Facebook mostra como é ter uma visão 20/20 em um óculos de RV Foto: Divulgação

Segundo o Facebook, o rastreamento ocular é importante para resolver outro problema de imagens em RV: distorções dos objetos virtuais causados pelo sistema óptico. “A distorção de uma imagem virtual muda conforme o olho se move para focar em direções diferentes. Os nossos algoritmos (de otimização de imagem) são muito estáticos. Isso significa que eles não funcionam perfeitamente quando alguém olha ao redor de uma cena”, explicou Zuckerberg. Em outras palavras, com a tecnologia atual, sempre vai existir algum objeto distorcido no metaverso, o que envia a mensagem para o cérebro de que o que está sendo observado é falso. 

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“A correção que fazemos precisa ser dinâmica conforme o olho se move e funcionar em todas as diferentes profundidades de foco possíveis para a tecnologia varifocal. Ela também precisa ser rápida o suficiente para que os ajustes sejam imperceptíveis, e a percepção visual é muito rápida”, acrescentou o fundador do Facebook. 

Para estudar os efeitos da distorção em RV e tentar encontrar soluções, o Reality Labs construiu um simulador de distorção, um equipamento que simula diferentes tipos de distorção quando algum design de óculos é testado. O equipamento reduz o custo porque dispensa a necessidade de construir óculos no mundo real.Ao final, o Facebook espera encontrar o design e os algoritmos de correção ideais para óculos capazes de passar pelo teste visual de Turing. 

Brilho

Zuckerberg exibe o Starburst, um protótipo com brilho intenso e tamanho proibitivo para o uso Foto: Divulgação

O último grande problema encontrado pelas equipes de Abrash já vem sendo enfrentado pelos fabricantes de TV e celulares: o nível de brilho dos painéis, conhecido também pela sigla HDR e medido em nits. Segundo os estudos da companhia, o ideal é que os painéis tenham pico de 10 mil nits para que os olhos sejam enganados, mas óculos de RV estão muito longe disso. O Quest 2 tem pico de meros 100 nits. 

Na apresentação, Zuckerberg exibiu um protótipo chamado Starburst com uma lâmpada de alto brilho atrás do painel de LCD, que atinge pico de 20 mil nits. Porém, ele é um trambolho tão grande e pesado que tem alças para ser segurado - é impossível fixá-lo no rosto. Assim, o Facebook sabe que tem um longo caminho para encapsular a tecnologia em um dispositivo confortável - e a companhia não deu um prazo para quando pretende apresentar essas soluções. 

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Laser nos olhos

Holocake 2 é o protótipo de óculos de RV mais avançado do Facebook Foto: Divulgação

Uma das tentativas da empresa em apresentar designs mais próximos do que as pessoas estariam dispostas a usar foi o protótipo batizado Holocake 2. Embora não tenha detalhado quais pontos relacionados ao teste visual de Turing o dispositivo ataca, o Facebook afirmou que ele reuniu alguns dos aprendizados em um design que lembra óculos de natação. 

O foco da conversa foi como ele conseguiu reduzir sistemas ópticos. “Na maioria dos óculos de RV, as lentes são bem grossas e precisam ser posicionadas a alguns centímetros da tela, para que possam focar de maneira correta e direcionar a luz diretamente para os olhos. É por isso que a parte frontal dos aparelhos parece muito pesada”, afirmou Zuckerberg. 

Segundo o executivo, o Holocake 2 usa duas novas tecnologias. A primeira reduz o espaço entre o painel e as lentes e a segunda reduz as próprias lentes, substituindo lentes curvadas por lentes planas, batizadas de lentes holográficas. 

“Enviamos luz por meio de uma holografia de lente, não por uma lente. Holografias são gravações do que acontece quando a luz atinge alguma superfície. Assim como a holografia é muito mais plana do que o objeto que representa, a ótica holográfica é muito mais plana do que as lentes que modelam, mas afetam a luz recebida praticamente da mesma forma”, explicou o executivo. 

Para reduzir o espaço entre painel e lente, o Facebook diz que precisou usar fontes alternativas de iluminação ao Led. “O Holocake precisa de lasers específicos, que são bem diferentes dos Leds usados nos óculos RV atuais. Embora os lasers não sejam tão raros hoje em dia, eles não costumam aparecer em produtos com o tamanho de desempenho e o preço necessários para aparelhos comerciais”, explicou Abrash. 

Futuro

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Com tudo isso, o Facebook apresentou um projeto chamado Mirror Lake, que pretende incluir as tecnologias varifocal e de rastreamento de olhos - parece ser a aposta da companhia para o futuro. Não é possível saber se esse projeto um dia verá a luz do dia, pois só foi mostrada uma representação gráfica do aparelho. 

Embora a companhia tenha detalhado os desafios para a exibição de imagens realistas, algumas questões fundamentais ficaram de fora da conversa, entre elas o consumo de energia de cada uma das tecnologias estudadas, o custo e o conforto no uso. Apenas pela apresentação, por exemplo, não dá para saber se os sistemas causam calor no rosto de quem veste os aparelhos. 

Zuckerberg terminou a apresentação otimista, dizendo que, caso consiga superar todos os desafios apresentados, teremos uma classe de dispositivos “muito diferentes do que temos hoje”. A animação vai além de ciência e engenharia. Ao apostar no metaverso como negócio, o executivo necessita que a realidade virtual se torne realidade. 

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