Feito para as ruas, Apple Watch faz 5 anos ‘pegando poeira’ na quarentena
Relógio inteligente comemora cinco anos de lançamento em meio à pandemia do novo coronavírus, mas ainda possui futuro promissor na categoria de vestíveis
24/04/2020 | 15h00
Por Guilherme Guerra - O Estado de S. Paulo
Apple Watch foi introduzido como versão tech de relógio suíço, mas acabou virando parceiro para atividades físicas e saúde
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O Apple Watch, relógio inteligente da Apple, comemora cinco anos de lançamento nesta sexta-feira, 24. Anunciado em setembro de 2014, o dispositivo chegou às lojas – e as ruas – dos EUA em 24 de abril em 2015. É um aniversário ingrato, longe de ser digno como a recém-comemorada primeira década de iPad. Por causa do isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, o meu relógio, antes sempre preso ao meu pulso, está na gaveta há mais de um mês.
Foi por causa dessa aposentadoria forçada que notei o quanto o Watch, da categoria de aparelhos vestíveis (os wearables), se tornou um produto para ser usado em público, em movimento. Exemplifico. Na rua, recebo no pulso as notificações de e-mails e mensagens, poupando que eu tire meu celular do bolso. Consigo inclusive responder alguém enquanto subo no ônibus ou atravesso de uma calçada para outra, levando meu pulso à boca. Consigo também checar o calendário e a previsão do tempo a um ou dois cliques com o dedo. É prático e simples, como se espera de um bom vestível. Mas isso perde sentido se estou confinado em casa, com o celular à mão o tempo todo.
A redução da usabilidade neste período de confinamento social é da própria natureza da categoria de vestíveis, da qual pertencem o Apple Watch (a partir de R$ 1,9 mil), o Huawei Watch GT 2 (a partir de R$ 1,5 mil) e Samsung Watch Active 2 (R$ 1,8 mil), entre muitos outros. Ainda não dá para saber o quanto a pandemia prejudicou a venda dos wearables, mas os estoques vazios de iPads no mercado chinês são um indício do que as pessoas procuram quando estão isoladas em casa.
OK, tudo bem, não vou exagerar. Tenho usado meu Apple Watch uma vez ao dia, num intervalo de 30 a 40 minutos, quando faço treinos funcionais e pratico ioga em casa. Por calcular batimentos cardíacos em tempo real e queima de calorias, o relógio inteligente se tornou indispensável para atividades físicas, por menores que sejam. Ainda assim, é muito pouco para um dispositivo que virou uma extensão do meu corpo.
Queda de braço
Quem fez questão de investir nessa área foi Tim Cook, o atual presidente e escolhido pelo fundador Steve Jobs para substituí-lo no cargo em 2011, a um mês de sua precoce morte. Mas o mérito só veio após uma vitória na guerra de braço entre Cook e sir Jonathan Ive, designer da Apple entre 1992 e 2019 e principal parceiro de Jobs na criação de sucessos como o iPod (2001), iPhone (2007), a linha Mac e, claro, o Apple Watch.
A briga era para saber como e para quem vender o Watch. Ao contrário de Cook, menos preciosista e mais atento às vontades do consumidor, Ive idealizou um relógio que unisse tecnologia ao mundo da moda e do luxo, similar ao apelo nostálgico dos arrojados relógios suíços analógicos vendidos por milhares de dólares.
Por discordâncias com Tim Cook, Jony Ive passou a frequentar menos o escritório da Apple a partir de 2015
(Importante dizer: o relógio foi o primeiro lançamento da companhia após a morte de Jobs, o homem que fez a Apple ser a Apple. Segundo analistas de mercado, um eventual fracasso em vendas significaria um futuro não tão brilhante para a companhia. Não foi o que aconteceu, como já sabemos.)
Foi assim a apresentação do Watch ao mundo em 2015, chegando a estampar capas de revistas do mundo fashion. A campanha foi tanta em 2015, que ficou famosa a imagem em que a cantora Beyoncé usa um Apple Watch Edition de ouro 18 quilates, valendo US$ 17 mil dólares (no Brasil, custava “meros” 135 mil reais). Fracasso de vendas, a versão foi discretamente descontinuada no ano seguinte.
O foco em atividades físicas e saúde ganhou força desde então por ser mais vendável. O relógio finalmente perdeu a alcunha de “iPhonezinho de 38 milímetros” porque se tornou mais independente do smartphone. Cook lançou no ano seguinte outro sucesso de venda em vestíveis, os AirPods, ao mesmo tempo em que batia recordes a venda de celulares e serviços, outro novo foco da sua gestão. E Ive, derrotado e com cada vez menos força dentro da companhia, anunciou a saída da Apple em junho de 2019 – o que à época soou repentino, mas hoje parecia inevitável.
Se o Apple Watch sobreviveu até aqui, conquistou a liderança de mercado e dita tendências na categoria de vestíveis, foi por causa da visão de negócios de Cook, e não pelo ode ao luxo pelo qual Ive nutria. Além disso, o relógio discretamente tem antecipado tendências que chegam anos depois nos iPhones, a menina dos olhos da empresa: carregamento sem fio, tela OLED, modo noturno, resistência à água e ausência de entrada para fones de ouvido. Isso não é pouca coisa.
Essas férias do meu Apple Watch não são porque cansei de usá-lo, muito pelo contrário. Não consigo mais me imaginar sem um smartwatch, o que só comprova o seu mérito como produto. O problema é que em casa, trancado, ele é tão útil quanto uma carteira para carregar documentos e cartões. Mas, até o fim da quarentena, ficará como as minhas calças jeans: esperando a hora correta de sair na rua.
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