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Apple: Testamos o programa de reparos do iPhone e foi um desastre

Há algumas vantagens que levarão a consertos mais baratos e de maior qualidade para todos, mas a experiência esteve longe de ser simples

Por Brian X. Chen
Atualização:
Programa da Apple permite que consumidores comprem ferramentas e consertem o próprio iPhone Foto: Divulgação/Apple

No mês passado, a Apple lançou nos EUA o primeiro programa no qual dá informações sobre peças, ferramentas e instruções para que o consumidor possa consertar sozinho seu próprio iPhone. Quando foi anunciado no ano passado, ele deu o que falar porque era um marco: há mais de uma década, consumidores demandam das empresas de tecnologia recursos para que possam recuperar seus dispositivos.

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A propota soou como música para os meus ouvidos. Como alguém que virou um faz-tudo durante a pandemia, fiquei empolgado para testar o programa. “Quão difícil isso pode ser?”, eu pensei.

Muito difícil, descobri.

Para pessoas como eu, que têm pouca experiência com o conserto de eletrônicos, a configuração do site com as instruções era tão intimidante que quase desisti. Envolvia primeiro uma retenção de US$ 1.210 no meu cartão de crédito para o aluguel de 34 quilos de equipamentos, que chegaram em minha casa dentro de caixas de plástico resistente. O processo depois foi tão complicado que destruí a tela do meu iPhone em uma fração de segundo devido a um erro irreversível.

A catástrofe continuou mesmo depois de eu ter chamado um especialista, Shakeel Taiyab, técnico autônomo de conserto de telefones no sul de São Francisco, para pedir ajuda. Depois de ler os manuais da Apple e testar as ferramentas comigo, Taiyab disse que dava os parabéns a Apple por tentar capacitar os donos de iPhones a consertá-los, mas tinha um veredicto cruel.

“Eles prepararam o consumidor para que isso dê errado”, disse ele.

O programa, concluí, é impraticável para a maioria das pessoas. Para início de conversa, o custo com o aluguel do equipamento e a aquisição de peças da Apple – US$ 96 para substituir a bateria do meu iPhone 12 – foi superior aos US$ 69 que uma loja da Apple cobra para realizar o serviço. E, como minha experiência comprova, o processo foi desafiador, mesmo com as ferramentas da Apple.

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A empresa desencoraja a maioria das pessoas a tentar consertar por conta própria seus dispositivos. “Para a grande maioria dos consumidores, a manutenção mais segura e confiável é alcançada em uma loja da Apple” e milhares de lojas de assistência autorizadas, disse a empresa em um comunicado oficial no mês passado. “Consertar dispositivos eletrônicos modernos que são complexos, altamente integrados e com peças minúsculas não é fácil.”

Isso nos faz pensar a respeito do motivo para a Apple ter lançado o programa. Não deve ser coincidência isso ter acontecido depois de a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês) dizer no ano passado que intensificaria a fiscalização contra empresas de tecnologia que dificultavam o conserto de seus eletrônicos.

Abaixo, o meu relato de fracasso.

Preparação para o conserto

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Comecei acessando o site do programa. Lá, encontrei o manual de serviço do iPhone 12 que eu queria consertar e encomendei as ferramentas. (O programa da Apple atualmente inclui manuais para iPhones lançados nos últimos dois anos.)

Li com atenção as instruções para o meu iPhone 12, que estava funcionando bem, mas provavelmente precisava de uma nova bateria. As instruções pareciam bastante simples: use uma máquina para derreter a cola e retirar a tela do celular, remova os parafusos e a bateria, use outra máquina para instalar a nova bateria, depois coloque tudo de volta e use uma terceira máquina para vedar o telefone.

Paguei pelo programa no meu cartão de crédito. Isso incluía uma taxa de aluguel de US$ 49 para o kit de ferramentas, US$ 69 pela bateria, US$ 2 pela cola e 15 centavos por alguns parafusos, junto com uma retenção de segurança de US$ 1.210 pelo aluguel do equipamento. Depois de sete dias, essas ferramentas teriam que ser enviadas de volta à Apple, sem custos para o consumidor, e a bateria antiga também poderia ser enviada e trocada por um crédito de US$ 24.

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Como não tinha experiência com o conserto de telefones, decidi praticar um pouco. Encomendei um kit de US$ 45 no iFixit, site que publica instruções e vende ferramentas para que você mesmo possa consertar gadgets, para que eu pudesse primeiro substituir a bateria do iPhone XS de quatro anos da minha esposa.

O kit do iFixit chegou com uma pinça, uma chave de fenda, palhetas plásticas e uma ventosa para remover a tela.

O processo para forçar a abertura do iPhone da minha esposa, substituir a bateria e remontar o dispositivo levou cerca de cinco horas em dois dias. Deparei-me com alguns imprevistos – o iPhone não ligava, o que me fez pensar que tinha quebrado algo. Acabei descobrindo que um conector minúsculo dentro do celular estava frouxo. Quando o apertei com mais força com a ponta do dedo, o telefone ligou e tudo voltou ao normal.

Estava pronto para a brincadeira de verdade, pensei.

Um início duvidoso

Dias depois, um entregador apareceu com dois contêineres volumosos na minha porta, ele perguntou o que havia dentro. “Equipamento para consertar meu iPhone”, respondi.

Ele parecia não acreditar.

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Embora o kit de ferramentas enviado pelo iFixit fosse leve, o programa da Apple aluga as mesmas máquinas que os técnicos da empresa usam nas lojas da marca. Trata-se de um equipamento pesado, e quando desembalei tudo, tive um mau pressentimento. As três máquinas – todas anguladas e industriais – pareciam coisas de profissional. Eu nunca tinha usado nada parecido antes.

Então liguei para Taiyab, que havia consertado os dispositivos da minha família anteriormente, e contei a ele meu dilema. Ele sugeriu que eu testasse as máquinas em um telefone quebrado que ele tinha guardado em seu escritório.

Então dirigi até o local de trabalho dele, no sul de São Francisco, com as máquinas volumosas da Apple. Lá, ele me deu um iPhone 12 quebrado para treinar.

Em seguida, lemos as instruções juntos. Removemos os dois parafusos externos na parte inferior do iPhone 12 quebrado, que ajudam a manter a tela no lugar. Colocamos o celular em uma estrutura que inserimos na primeira máquina. A máquina aqueceu o telefone para derreter a cola e uma ventosa puxou a tela. Depois disso, usamos um cortador de plástico para raspar a cola e remover a tela.

A partir daí, seguimos as instruções de desconectar cabos e remover parafusos e tiras de cola para tirar a bateria antiga. Fizemos tudo isso com facilidade e eu estava animado.

Um pesadelo de conserto

Agora era hora de seguir os mesmos passos com o meu iPhone 12. Com entusiasmo, coloquei-o na estrutura e o inseri na máquina para derreter a cola e começar a retirar a tela.

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Taiyab me parou imediatamente. “Você removeu os parafusos de segurança?”, ele perguntou.

“Droga, não”, respondi. Voltamos algumas etapas para remover os dois minúsculos parafusos da parte inferior do celular para começar de novo. A tela parecia normal.

Repetimos os passos para remover a bateria. Depois de instalar a nova bateria, usamos uma máquina com rolo para aplicar pressão uniforme sobre a bateria e colá-la no lugar correto.

Depois, usamos uma terceira máquina – uma prensa movida a bateria – para pressionar o telefone enquanto aquecemos a cola para criar uma vedação à prova d'água.

Por fim, chegou o momento da verdade. Ligamos o celular. Linhas brancas piscaram na tela. Ele tinha sido destruído. Como no início não tínhamos removido os dois parafusos de segurança, a tela foi mantida no lugar enquanto eu tentava forçar sua abertura, o que causou danos.

Para a minha felicidade, Taiyab tinha muitas telas de reserva da Apple. Em minutos, ele desmontou o celular outra vez, recolocou a tela e a vedou de novo. Eu assisti a tudo com vergonha.

O pesadelo continua

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Para minha surpresa, os últimos passos foram os mais irritantes. Quando ligamos o telefone novamente, um aviso informava que a bateria e a tela tinham sido substituídas por peças desconhecidas. Isso era irritante porque a bateria era uma peça original encomendada via Apple. A tela também era original, pois vinha de outro iPhone.

Mesmo assim, para concluir o conserto, a Apple exige que o consumidor usando seu programa execute uma “configuração de sistema”, que envolve ligar para um representante remoto da equipe de atendimento ao consumidor e confirmar o número de série da peça para associá-la ao telefone. Só então o reparo é autenticado, o que faz a mensagem de alerta desaparecer.

O site do programa da Apple me direcionou a um aplicativo online para conversar com um representante. Lá, um funcionário chamado Carlos me pediu para conectar o celular, pressionar e segurar três botões para entrar no modo de diagnóstico.

Tentei fazer isso várias vezes. Nada aconteceu.

Carlos repetiu as mesmas instruções para os botões. Tentei novamente. E mais uma vez. Só depois de consultar um fórum online no qual alguém havia publicado uma recomendação diferente sobre o que fazer, consegui iniciar o modo de diagnóstico.

Mais de 30 minutos depois, terminamos o processo. A mensagem de alerta em relação a bateria desconhecida desapareceu.

Meu feedback para a Apple

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A Apple disse que ficaria contente com comentários enquanto continua a desenvolver o programa para que os consumidores consertem seus dispositivos. Então aqui vai o meu. Como qualquer nova engenhoca de tecnologia, este programa é um produto inicial com prós e contras e com o potencial de ser muito melhor.

Há algumas vantagens que levarão a consertos mais baratos e de maior qualidade para todos. Agora, todos os técnicos autônomos, inclusive Taiyab, têm acesso às ferramentas da Apple. (Ele disse que provavelmente compraria a prensa da Apple para vedar iPhones.) E todos agora podem ler as instruções oficiais a respeito de como fazer reparos, o que dá fim a suposições.

Mas a experiência esteve longe de ser simples e, mesmo para quem tenta fazer a manutenção do próprio dispositivo, a Apple exerce controle demais ao exigir a aprovação dos consertos. Se instalamos peças da Apple, como uma tela tirada de outro iPhone, elas deveriam funcionar – ponto final.

Até hoje, ainda recebo a mensagem avisando que há uma peça de origem desconhecida no meu iPhone porque a nova tela veio da reserva de Taiyab e não da Apple. Exatamente o que eu precisava para me lembrar dessa experiência de consertar meu próprio dispositivo. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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