Game brasileiro Ballistic Overkill tem defeitos, mas é bom e barato

Jogo da produtora Aquiris traz bom custo-benefício por R$ 20 em universo de concorrência exigente; jogabilidade fluida e variedade de modos é trunfo, mas game carece de personalidade em alguns pontos

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Game brasileiro está á venda nas lojas digitais de games por R$ 20 Foto: Aquiris Game Studio

Um game brasileiro. Online. De tiro em primeira pessoa. Para computadores. Não torça o nariz, caro leitor, nem deixe o preconceito gamer falar mais alto: os ingredientes da receita acima funcionam bem juntos. Pelo menos quando a receita forma Ballistic Overkill, novo jogo da produtora gaúcha Aquiris, lançado oficialmente em abril deste mês, após uma longa trajetória de desenvolvimento nos últimos anos. Vendido a R$ 20, o game chegou aos PCs com a promessa de ser um game acessível – não só no preço, mas também nas configurações de máquinas exigidas e, mais importante, na jogabilidade. Felizmente, Ballistic Overkill cumpre a promessa e mostra a capacidade de como empresas brasileiras podem disputar espaço no mercado global de games.

A Aquiris não é exatamente uma novata no cenário nacional: fundada em 2007, a empresa se dedicou a jogos publicitários (os advergames) e títulos mobile com parceiros como o Cartoon Network antes de conseguir lançar seus próprios projetos. O primeiro deles, Horizon Chase, lançado em 2015, era uma homenagem aos jogos de corrida dos anos 1990, como Top Gear – e foi escolhido como um dos melhores games do ano pela Apple. 

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Já Ballistic Overkill é a versão remodelada de um dos primeiros títulos dos gaúchos. Originalmente nomeado apenas Ballistic, o game foi lançado em 2010 pelos gaúchos no Facebook, em parceria com a editora norte-americana Rumble Entertainment. Em 2015, a Aquiris recomprou os direitos comerciais do game da Rumble, e decidiu transformá-lo em um jogo para PCs, com direito a disputas online, classes e um visual todo reformulado. Em agosto daquele ano, a empresa lançou uma versão de testes na Steam, e passou os últimos 18 meses aprimorando o projeto. 

A primeira impressão, ao se jogar Ballistic Overkill, é a de que o jogo é um acumulado de referências de títulos recentes do gênero de tiro em primeira pessoa. Há a rapidez dos primeiros Call of Duty, o sistema de classes presente em Team Fortress e as habilidades especiais trazidas á tona por Overwatch. Ao mesmo tempo, há um sentimento nostálgico no game, que só pode ser jogado com mouse e teclado no computador, que lembra títulos antigos como Quake II e Ultima Online. Veteranos dos tiroteios no PCs vão se entender facilmente com os comandos do jogo. Já o jogador novato pode ter uma curva de aprendizado mais íngreme com o game, mas nada que seja dramático – um dos principais destaques de Ballistic é sua jogabilidade fluida e divertida. Errou? Morreu? É só esperar alguns segundos e tentar de novo. 

O sistema de classes é outro ponto interessante do jogo. Com os diferentes tipos de soldados, é possível ao iniciante descobrir qual classe se encaixa melhor em suas habilidades – há aqui alguns arquétipos clássicos dos games de tiro, como o tanque ou o atirador de longa distância (o maldito “sniper” ou “camper”, na gíria do gênero). Outras classes, porém, parecem muito parecidas entre si para gerar diferenciações na estratégia dos jogadores – à primeira vista, Espectro e Sombra parecem a mesma coisa. Além disso, algumas das classes sofrem de certa crise de identidade – o Granadeiro de Ballistic Overkill lembra bastante (talvez por coincidência, uma vez que os jogos foram produzidos na mesma janela de tempo) o Junkrat, personagem de Overwatch que dispara… granadas.

Ainda que concebido originalmente antes de Overwatch, o granadeiro de Ballistic Overkill lembra o Junkrat do game da Blizzard Foto: Aquiris Game Studio

O aspecto de aprendizado do jogo só não é melhor resolvido por conta de um de seus problemas: o sistema de matchmaking – isto é, de união de jogadores para as partidas. Bons sistemas do tipo nivelam jogadores dos mesmos níveis e habilidades, ou times com equilíbrio, para que as partidas sejam interessantes para todos. Em algumas das minhas partidas em Ballistic Overkill, porém, senti que não estava conseguindo aprender a jogar porque morria rapidamente. Em outras, percebia que havia evidente desequilíbrio entre as equipes. É um atributo que precisa melhorar nas próximas atualizações do jogo. 

Outro ponto em que Ballistic Overkill esbarra em outros jogos de tiro genéricos do mercado é em sua ambientação – alguns de seus cenários, apesar de muito bonitos e bem construídos, parecem ideias padrão presentes em concorrentes como Point Blank ou Cross Fire, ambos não exatamente conhecidos por sua originalidade. Encher uma fase de contêineres ou colocar a troca de tiros em uma biblioteca não é exatamente algo inspirador. Em contrapartida, é preciso destacar que o desenho de som (e as dublagens) do jogo são um dos pontos altos – use bons fones de ouvido para ir para as arenas de batalha, porque vale a pena. 

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Um dos destaques do game é sua boa performance até mesmo em computadores de configurações pouco robustas Foto: Aquiris Game Studio

Outro elogio que precisa ser conferido à Aquiris é a forma como o jogo está bem configurado para rodar bem mesmo em PCs com configurações reduzidas – durante minhas partidas no meu “computador carroça”, tive poucos engasgos (a maioria deles mais ligados à qualidade da conexão do que ao game em si). É um atributo importante: não basta só ser o jogo ser barato, mas também que possa ser jogado em qualquer máquina. Há aqui um nicho de mercado bastante amplo para a empresa – gente interessada em jogar bons games, mas que não tem dinheiro para gastar no último modelo de placa gráfica avançadíssima. 

Vale a pena? Por R$ 20 e com bom suporte a computadores de configurações pouco robustas, Ballistic Overkill é um belo jogo acessível, com competência o suficiente para brigar em um universo que tem títulos como Counter-Strike, CrossFire e Point Blank. Há problemas – alguns aspectos em que o jogo é genérico e outros que podem ser resolvidos em futuras atualizações (como o matchmaking e a presença de personagens femininas, por exemplo). Mas, no fim do dia, é um jogo divertido, com variedade de estratégias e boa porta de entrada para quem nunca se atreveu a entrar em tiroteios munido de mouse e teclado na mão. Mais do que isso, é uma amostra que os games brasileiros podem competir no mercado global sem complexo de vira-lata. 

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