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'Meu jogo favorito é o que estou fazendo agora', diz criador de Pitfall

Em entrevista ao Estado, David Crane conta histórias sobre a época da Atari e revela como foi a criação da Activision, empresa que hoje ganha bilhões com games

Por Bruno Capelas
Atualização:
Pitfall! (1982) é um dos primeiros games de “plataforma” da história, no qual o jogador tem de correr e pular por obstáculos. Foto: Activision

Mario, Sonic, Crash Bandicoot, Limbo, Super Meat Boy, Rayman… a lista de grandes jogos e personagens do gênero de plataforma – no qual os principais desafios são derrotar inimigos, subir obstáculos e pular pelo cenário – é quase infinita. Tudo começou, porém, com um simpático homem-palito imitando Indiana Jones, desenhado numa folha de papel por David Crane, o homem por trás de Pitfall! 

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Lançado em 1982, o game é considerado o primeiro grande jogo de plataforma, e abriu espaço para um sem-número de grandes personagens encontrarem seu lugar ao sol nos games. “Com os jogos de plataforma, o mundo deixou de ser limitado, porque você pode entrar em um lado da tela e sair do outro. E aí a imaginação não tem limites”, diz Crane, em entrevista ao Estado, realizada durante a Brasil Game Show, feira onde o pioneiro game designer esteve para dar autógrafos e falar com o público brasileiro. 

Pitfall! foi um dos primeiros grandes jogos da Activision, empresa fundada por Crane e outros três colegas após saírem da Atari. A empresa daquela época, no entanto, é bem diferente da corporação bilionária que hoje faz games como Call of Duty e Destiny. Para Crane, a empresa que existe hoje tem um papel muito importante: “eles têm milhões de dólares para despejar em um único jogo. Se você gosta de jogos superproduzidos, você tem que ser um fã da Activision.” 

Na entrevista a seguir, Crane conta como começou a fazer games e os bastidores da criação de Pitfall!. Também fala sobre como foi trabalhar na Atari, as diferenças de criar jogos nos anos 1980 e hoje em dia, e mostra como continua empolgado a criar seus próprios jogos. “Se eu fosse para uma ilha deserta, eu não levaria nenhum jogo! Eu levaria um computador para criar jogos”, diz. Com a palavra, David Crane. 

David Crane, o criador de Pitfall!, veio ao Brasil em outubro para a Brasil Game Show Foto: Bruno Capelas/Estadão

Como você começou a fazer videogames?  Eu sempre joguei tênis. Fiz isso durante a minha vida toda. Em 1977, meu parceiro de duplas trabalhava na Atari. Um dia, nós fomos jogar e ele me deu um anúncio que ele ia colocar no jornal, procurando um designer de games. Eu li, disse que não mudaria nada, e que me interessava, na verdade, pelo emprego. Voltei pro meu trabalho como engenheiro na National Semiconductors, e no computador que eu construí sozinho, com o processador de textos que eu mesmo programei, escrevi meu currículo. Encontrei com meu amigo e seu chefe na Atari às 10 da manhã. Às duas da tarde, eu já estava contratado, e duas semanas depois eu estava fazendo jogos. 

Como era seu relacionamento com Nolan Bushnell?  Ele era um cara incrível. Ele tinha esse termo: “neat” (legal, na tradução não-literal). Era sua estratégia de negócios. Se ele achasse que algo era “neat”, deveria ser feito. Nós falávamos de ideias de jogos com ele e ele dizia: “neat!”. 

Quando leio sobre a Atari, me parece que era um lugar incrível de se trabalhar, com muito esforço, mas também muita diversão. Era assim mesmo?  Era um ambiente criativo e empreendedor, que respeitava as boas ideias de qualquer pessoa. O problema foi quando tentamos transformar a Atari em um grande negócios. Em uma empresa tradicional, um líder como Nolan nunca acharia que o programador que acabou de começar na empresa poderia ter uma ideia melhor que a dele. É difícil criar videogames com prazo. Não posso te dizer que terei uma grande ideia para um jogo na próxima quarta-feira. Mas um negócio precisa ter prazos, com produtos disponíveis o ano todo e lançando para o Natal, e isso nos deu muitos problemas. 

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A falta de cultura corporativa na Atari matou a empresa?  Depois que Nolan deixou a empresa, de fato, a Atari se tornou uma companhia corporativa. Além disso, a Atari se tornou uma empresa muito fechada, eles davam pouco crédito aos criadores dos games. Nós saímos da Atari para fundar a Activision porque não éramos reconhecidos pelos chefes. Isso fez com que a empresa perdesse muitos talentos. 

Como você decidiu que queria sair da Atari e fazer a Activision?  Como eu disse, nós queríamos reconhecimento pelo nosso trabalho. Se fosse um livro, há o nome do livro e o nome do autor. Com os jogos, nós pensávamos, deveria ser igual. Mas a Atari não pensava assim. Para o presidente executivo da Atari, nós éramos tão importantes para os jogos quanto os operários da linha de montagem de cartuchos. Foi aí que nós criamos a Activision. 

Como surgiu a ideia para Pitfall!?  Nós sempre criávamos um game e já pensávamos na ideia do próximo. Fiz Dragster, depois fiz Fishing Derby e, em determinado momento, quis fazer um jogo com um personagem. Não queria fazer um jogo com um tanque, um avião ou um carro, mas com uma pessoa. E isso era um problema com o hardware do Atari: eu tinha que fazer um homem com apenas 8 pixels. Consegui criar um boneco palito para fazer isso, e passei meses tentando criar um jogo com ele. Só resolvi a questão quando sentei com uma folha de papel na minha frente. Desenhei o homem palito no meio do papel. Ele estava correndo. Onde? Por um caminho. Onde é esse caminho? Desenhei árvores e decidi que era uma floresta. Havia troncos rolando atrás dele, e por isso o homem tinha de correr. E ele estava em busca de um tesouro. Os Caçadores da Arca Perdida tinha acabado de sair, então aventuras e florestas estavam na moda. Pensei todo o jogo em apenas 10 minutos. E depois gastei mil horas para conseguir programar todos os detalhes de Pitfall! 

Qual é a diferença de fazer um jogo hoje e nos anos 1980?  Fazer os gráficos nos primeiros consoles era bem fácil, porque era tudo muito limitado. Você podia testar facilmente se queria um pixel laranja ou um pixel vermelho, porque era fácil. Além disso, os jogos naquela época eram baseados em habilidades. Você tinha que ser rápido, ou saltar, ou conseguir atirar ou desviar dos adversários. Gosto disso, mas não é o único jeito de se entreter alguém. Temos jogos por aí que são jogos baseados em histórias. Fazer algo divertido de jogar é a parte mais difícil, é onde a criatividade entra.

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Pitfall! é considerado um dos primeiros grandes games de plataforma. Você se sente responsável por um gênero que gerou personagens icônicos como Mario e Sonic?  Pitfall! não foi o primeiro jogo de plataforma, mas foi um dos primeiros a serem jogados em todo canto. Até então, muitos games tinham apenas uma tela. Pense em Combat ou Asteroids: se um elemento saia da tela pela direita, ele voltava pela esquerda. Em Pitfall!, se você saía de uma tela pela direita, você começava pela esquerda de outra tela. E aí, o mundo parou de ser limitado. Você podia sair da floresta e ir para a cidade. E é por isso que há milhares de jogos de plataformas: a imaginação de onde a tela seguinte vai te levar te permite qualquer coisa. 

A Activision que o sr fundou é uma empresa bem diferente da que existe hoje. Como você vê isso?  São empresas bem diferentes. Em 1983, a indústria dos videogames entrou em crise. A Activision sobreviveu graças aos esforços do nosso presidente executivo. E depois de sobreviver, nosso conselho de administração demitiu o presidente. É como demitir o técnico depois de uma temporada ruim nos esportes. Não é o técnico que chuta o pênalti para fora. Quase saímos do mercado. Aí, a Activision foi comprada, saiu de São Francisco e foi para Los Angeles, e se tornou a maior empresa de games do mundo. Eu saí em 1987, e nao tenho mais ações da empresa. Para mim, há duas Activisions. Tem a empresa que nós criamos e durou até meados dos anos 1980, e a que veio depois disso. Acho que a Activision de hoje preenche um espaço importante: é uma empresa que tem milhões de dólares para despejar em um único jogo. Se você gosta de jogos superproduzidos, você tem que ser um fã da Activision e comprar os jogos sem desconto, para que eles ganhem mais dinheiro e façam mais jogos bem produzidos para vocês. Quando você faz jogos caros, talvez um em cada dez faça realmente sucesso. Mas eles fazem os outros nove, porque é parte do negócio. 

Se você fosse para uma ilha deserta, quais seriam os cinco jogos que levaria consigo?  Eu não levaria nenhum jogo! Eu levaria um computador para criar jogos. Todo mundo me pergunta qual é o meu jogo favorito. É sempre o jogo que eu estou fazendo, porque se não for, eu não deveria estar fazendo esse jogo. 

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Muita gente tem se interessado por jogar games antigos. Como você vê emuladores e a indústria fazendo versões retrôs dos consoles?  Muita gente me diz que os jogos de antigamente são mais divertidos do que os jogos de hoje. Os jogos de hoje parecem filmes, mas não são exatamente divertidos. Os jogos antigos são divertidos, porque precisam de habilidades. Acho que emuladores são incríveis porque introduzem os jogos antigos para as pessoas, mas a melhor experiência possível é jogar nos consoles originais. Tente fazer isso sempre que possível. 

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