Videogame não tem culpa na elitização do futebol, diz Gustavo Villani, narrador de FIFA 21

Nova edição do game de futebol da EA Sports chega ao mercado brasileiro nesta terça-feira, 6; substituto de Tiago Leifert é uma das grandes novidades do jogo

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Villani gravou 360 horas de vozes para integrar a narração ao game Foto: Divulgação

Todo ano é assim – e até mesmo num 2020 cheio de complicações a bola vai rolar no mundo dos videogames. Nesta terça-feira, 6, FIFA 21, a nova edição do game de futebol da EA Sports chega às lojas com versões para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC. O jogo, que também terá versões para os vindouros PlayStation 5 e Xbox Series, traz diversas novidades na jogabilidade e nos gráficos. Mas, aqui no Brasil, a principal mudança está no som do game, com a chegada de Gustavo Villani como narrador oficial. 

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Titular da equipe de futebol da Globo, Villani substitui Tiago Leifert, que estava narrando a série desde 2012 (FIFA 13, ainda lançado para o PS3 e o Xbox 360). “Na minha carreira, narrar o FIFA é algo tão transformador e importante quanto narrar uma final de Copa ou de Libertadores”, diz Villani, em entrevista ao Estadão. “É ter um ponto de contato com um novo público, com crianças, com gente que consome futebol em outras plataformas.” 

Escolhido pela EA para assumir o posto em 2019, quando Leifert decidiu deixar os microfones (e os sanduichinhos) de FIFA, Villani gravou 360 horas de vozes para poder trazer ao game a experiência mais completa o possível. “O jogador não aceita mais uma biblioteca de áudio pequena”, diz Daniel Perassolli, especialista em Português Brasileiro na equipe de localização da EA Sports. Ao todo, são 67 mil linhas de áudio – quatro vezes e meia a mais do que as 15 mil linhas do primeiro game de Leifert, algo que mostra também a evolução do jogo ao longo da última década. 

Na entrevista ao Estadão, Villani fala sobre como foi narrar o jogo, conta sua história com os videogames e dá seu palpite em uma questão bastante tumultuada da internet hoje em dia – a rixa entre os fãs do futebol “raiz” e aqueles que acompanham o esporte apenas por times estrangeiros e pelas partidas com controle na mão. Para ele, é evidente que há um processo de elitização do futebol, mas o videogame não tem culpa nesse processo. 

Ele também lamenta a ausência dos times brasileiros em forma plena no jogo – algumas equipes do País estão presentes com uniformes e escudos, mas sem os jogadores verdadeiros, devido a problemas de contrato. “Lamento que os nossos times não estejam no videogame, seria uma bandeira importante para eles se divulgarem fora do nosso País”, diz o narrador. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

Como é narrar um jogo de videogame? É diferente de uma grande partida?  É uma das coisas mais transformadoras na minha profissão. Tenho 20 anos de carreira, mas a expectativa do jogo sair é muito grande. Foram dois anos até que a gente pudesse anunciar, havia uma confidencialidade grande no processo. É bacana porque eu vou ter um ponto de contato com vários públicos, mas especialmente com as crianças – que daqui a pouco vão consumir freneticamente futebol em todas as plataformas. Eu tive dias decisivos e importantes na carreira, como a final da Copa em 2014, a final da Libertadores com o Grêmio. Coloco o FIFA nessa prateleira. Na minha carreira, narrar o FIFA é algo tão transformador e importante quanto narrar uma final de Copa ou de Libertadores. E tem uma coisa que eu descobri agora que é interessante: nem todo jogador de FIFA é torcedor de futebol, existe quem só joga o game mas não acompanha o esporte. 

Como foi o processo de gravações? É bastante diferente gravar frases pré-estabelecidas do que responder ao que acontece no campo…  Foi bastante puxado. Eu fiz 366 horas de gravação, foram mais ou menos 80 sessões de cinco horas cada. Fiz tudo entre 2019 e março de 2020, entre a agenda de jogos e de programas da Globo. Tem um lado que era enlouquecedor: imagina gritar 20 ou 30 gols num dia só? Se você grita cinco ou seis gols num jogo já é algo acima de média. Era um exercício mútuo de transpiração e inspiração. E era difícil porque eu não via o jogo na tela, eu só tinha um contexto do que narrar: arremesso lateral, uma falta próxima à grande área. O improviso, os bordões, era tudo comigo, era um exercício físico e mental. Às vezes, era maçante, mas cara, eu gosto de futebol há tanto tempo que para mim era algo incomparável. 

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Hoje, existe um grande embate entre os fãs de futebol: há aqueles que acham que quem acompanha só times estrangeiros e joga videogame não seja um “torcedor de verdade”, que nem aquele que tem um time no Brasil e vai, ou ia, ao estádio incondicionalmente. Como você vê essa questão?  O futebol hoje passa por um processo de elitização, eu não tenho dúvida, mas isso não partiu do videogame. O torcedor raiz já está excluído do estádio de futebol. Ele não tem mais espaço para pagar o ingresso dele, ver o jogo em pé, com algumas exceções – caso da Arena do Grêmio, do Borussia Dortmund… As arenas elitizaram o futebol. Por outro lado, o futebol é um setor econômico que cresce bastante, todo ano, mais que qualquer país. Mas não vejo que é culpa do videogame, isso é um grande preconceito. Esse sentimento de que quem joga não é torcedor de verdade é mais uma fase dessa polarização que a gente vive. Não gosto de taxar esse ou aquele tipo de torcedor, mas todos gostam de futebol. E há sentimentos: o torcedor se senta para ver o time dele, nem sempre tudo sai como ele gostaria. O cara que se põe para jogar está predisposto a se divertir, se ele gostar de futebol, é bem-vindo. Todos são. Para ser sincero, eu lamento que nossos times não estejam no videogame. Seria uma bandeira importante de divulgação. É uma pena que os nossos times não estejam bem inseridos nesse universo digital, que faz parte do futebol globalizado. É uma pena que os torcedores de fora não conheçam os nossos times, também. 

O que você gostaria de narrar no videogame, mas ainda não pode? Há algum sonho?  Não, eu estou surpreso com a quantidade de situações de jogos e a narração prevista para elas, desde um arremesso lateral na defesa até um bate-rebate. Lembro de ter que gravar num ritmo frenético, porque havia contexto, mas não podia estender a descrição porque o jogo poderia precisar de uma nova frase para uma nova situação. Agora, o que eu tenho me divertido bastante são os bordões, que é algo que eu sei que vou ter que atualizar bastante. Um pouco depois de gravar tudo que tinha pra gravar do jogo, eu soltei numa narração o bordão do centroavante ketchup, para falar do Luís Adriano. É algo que o Cristiano Ronaldo disse há muito tempo: que atacante é igual ketchup, às vezes demora para abrir e fazer gols, mas quando abre vem de uma vez. É algo que eu vou ter que atualizar para o FIFA 22. Eu presto bastante atenção às linguagens dos boleiros, do futsal, do futebol, são coisas que eu trago para as transmissões e agora para o videogame. 

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