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A cultura do novo milênio e uma lei para o século passado

Por Rafael Cabral
Atualização:

Uma lei que se preocupa menos em incentivar os negócios do século 21 do que em proteger os negócios do século 20. É assim que um forte editorial do tablóide britânico Guardian define a Digital Economy Bill, proposta de lei inglesa para a internet. Mais rígido até que a Lei Sarkozy, o projeto apresentado na Câmara dos Lordes prevê medidas extremas para combater os “abusos” dos internautas, principalmente a pirataria. Além de poder ser desconectada sem aviso prévio ou julgamento, a pessoa condenada por uso indevido de material protegido por copyright terá que arcar com uma multa que chega até incríveis £ 50.000 (R$ 144 mil, na cotação de hoje).

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E não fica nisso. A lei também prevê que os provedores de internet sejam forçados a monitorar o comportamento dos usuários, e nisso se parece muito com a finada Lei Azeredo. Uma medida que claramente fere a privacidade dos cidadãos ingleses, segundo entidades de proteção ao consumidor do país. Se for provado que piratas agiram nas costas das empresas, elas terão que pagar cerca de R$ 720 mil ao governo. Em vez de valorizar os pioneiros das novas tecnologias e “dar poder aos cidadãos digitais, a medida segue o que mandam as indústrias da música e dos filmes, que já empurram um sentimento de culpa para os consumidores”, define o Guardian.

Centralizadora, a lei dá plenos poderes ao secretário de Estado Peter Mandelson, que poderia ele mesmo garantir que os direitos de autor fossem pagos, sem ter que passar pelo Parlamento. O ministro chegou a declarar que planejava contratar organizações privadas, bancadas por grupos de mídia, para forçar a remoção de conteúdo protegido da web e tirar do ar sites que facilitam seu compartilhamento.

Além dos piratas

Além de merecer um editorial no terceiro maior jornal do Reino Unido, a Digital Economy Bill também mobilizou os internautas, os maiores interessados no assunto. Uma petição para barrar a aprovação da medida, encabeçada pelo ator e humorista Stephen Fry, conseguiu cerca de 24 mil assinaturas desde que o projeto foi apresentado, na última segunda-feira.

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Pare! – Ministro terá poder de criar medidas para proteger copyright

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Já a organização Open Rights Group pede que cada cidadão faça contato com um deputado para tentar forçar o cancelamento da votação. “Este plano não vai acabar com a violação dos direitos autorais, e com uma simples acusação você pode ver sua família inteira desconectada da internet, e incapaz de realizar atividades diárias como comprar ou socializar”, diz o comunicado.

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Mas as críticas de todas essas organizações não são apenas aos tópicos que mexem na questão dos direitos autorais na era digital. A proposta de lei não mexe apenas com os piratas, considerados os vilões da indústria de música, mídia e cinema. Também impõe um novo sistema de classificações para games, que censuraria centenas de jogos para crianças menores de 12 anos. E mais do que isso: também define o governo, e não uma entidade independente como a Nominet (atual responsável), como o fiscalizador de domínios registrados no País, aqueles finalizados em .co.uk ou .uk.

“Qual o resumo de tudo isso? Não não há nada na lei que estimule a economia digital britânica. Nada para garantir o acesso à banda larga de forma mais barata, neutra e rápida. Nada para conectar os britânicos mais pobres. Nada para garantir que as regras de copyright saiam do caminho para que empreendedores tenham liberdade para criar novas coisas”, resumiu o escritor e ativista da cultura livre Cory Doctorow, no BoingBoing.

Esta é a quarta matéria de uma série do Blog do Link sobre direitos autorais na era digital, remix e a cultura do compartilhamento

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