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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A Europa desafia o Vale

O Google se beneficia de um fenômeno do próprio mundo digital: o efeito de rede

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Não é que a multa imposta ao Google pela União Europeia, de US$ 2,7 bilhões, seja alta. Não é apenas que seja uma multa recorde por antitruste em todo o continente. Vai além disso: ela é de mais que o dobro do recorde anterior, US$ 1,09 bilhão. A comissária de antitruste da EU, Margrethe Vestager, está enviando um recado claro. Existe um conceito novo de monopólio na praça e os europeus o levam muito a sério. E não é só o Google que está ameaçado. Apple, Facebook e Amazon estão no mesmo barco.

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A ideia de antitruste remete ao início do século 20, quando os EUA passavam por um rápido processo de urbanização e a indústria do petróleo explodia, com automóveis zanzando em fúria pelas ruas. Um grupo pequeno de empresas controlava o preço da gasolina — e o Estado interveio. Monopólios, fixou-se a ideia, são ruins porque impõem preços altos aos consumidores.

Não é um conceito polêmico. Os liberais de Chicago acreditavam que monopólios surgem porque governos criam regras demais atrapalhando o mercado. Keynesianos sugerem que monopólios tendem a ocorrer em determinados ramos e, sem intervenção do governo, são incontroláveis. Debatem a origem de monopólios mas concordam que monopólios não fazem bem à economia.

O problema é que o Google é gratuito. Mesmo que seja um monopólio, ele não impõe preços maiores.

A empresa foi multada em apenas um dos casos movidos nas cortes europeias por acusação de monopólio. Neste, um serviço de comparação de preços britânico reclamou que havia desaparecido dos resultados de busca. O Google privilegiava seu Google Shopping. Usava seu controle sobre o mercado de buscas para assumir o comando da comparação de preços em produtos de consumo. O processo vem desde 2010, e quase houve um acordo. Mas os britânicos insistiram: queriam um veredicto.

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O Google se beneficia de um fenômeno próprio do mundo digital: o efeito de rede. Até mais ou menos o ano 2000, havia inúmeros sites de busca — e de repente o Google, um pouco melhor, disparou e se afirmou. Desde então, ninguém o ameaça. Há uma razão: o software de todos é mais ou menos equivalente, mas a qualidade dos resultados de busca depende do número de pessoas que usa o serviço. Quanto mais gente usa um site movido a algoritmos de inteligência artificial, mais informação o sistema tem para dar um bom resultado. Ou seja, quanto mais gente usa, melhor qualidade têm as respostas. O Google é melhor não porque sua tecnologia seja melhor. Mas porque mais gente o usa. E, enquanto for melhor, mais gente o usará em detrimento dos outros.

Amazon e Facebook são muito maiores do que os concorrentes pela mesma razão. Em comércio eletrônico ou em redes sociais, destacaram-se da concorrência pelo efeito de rede a um ponto tal no qual se tornaram virtualmente imbatíveis. O caso da Apple é um pouco distinto, mas por dominar o mercado de smartphones de ponta, sua loja de apps se tornou a principal plataforma de distribuição de aplicativos para celular.

Juntas, formam o carro chefe da tecnologia. Mas, de acordo com a compreensão que a União Europeia agora demonstra, juntas impedem que outras surjam. São as donas das estradas e dos carros pelos quais todos andamos na internet. O que os europeus estão dizendo é muito simples: no tempo digital, não é a capacidade de definir o preço que faz de um monopólio perigoso.

É a capacidade de bloquear o surgimento e, principalmente, o crescimento de outros. Os europeus querem regulamentar o mercado para controlar o efeito de rede.

Este é um desafio e tanto.

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