'A fibra óptica se esgotará em 10 anos'

Coinventor da tecnologia, o engenheiro Peter Schultz explica sua criação e fala sobre custos

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Por Bruno Capelas
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Coinventor da tecnologia, o engenheiro Peter Schultz explica sua criação e fala sobre custos

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“A fibra óptica por si só é barata. O que a encarece é a construção”, diz Peter Schultz FOTO: Clayton de Souza/Estadão

SÃO PAULO – Em 1967, três cientistas americanos – Peter Schultz, Donald Keck e Robert Maurer – começaram a trabalhar na invenção de uma tecnologia que pudesse servir para a transmissão de dados via laser. Cinco anos depois, o trio foi responsável pela invenção da fibra óptica, tecnologia hoje amplamente utilizada nas telecomunicações – quando acessa este site e lê este texto, por exemplo, isso acontece graças à invenção dos três.

 

Convidado para falar sobre as fibras ópticas em um seminário da Furukawa, empresa do ramo de comunicações e energia, o engenheiro Peter Schultz esteve em São Paulo na terça-feira, 26, e conversou com o Link a respeito de sua criação.

Na entrevista, o cientista de 71 anos explicou como a fibra óptica funciona, falou sobre suas aplicações atuais e futuras na medicina e nos transportes, e projetou que, com o aumento do uso de dados por smartphones e computadores, devemos esgotar a capacidade de transmissão de dados da fibra óptica em até dez anos.

Muito se fala sobre a fibra óptica, mas pouca gente entende o que ela é de fato. O senhor poderia explicar como a tecnologia funciona?Quando o laser foi inventado, nos anos 1960, era difícil arranjar um meio eficiente de utilizar seus efeitos. Fazer isso pelo ar estava fora de cogitação, porque as partículas presentes na atmosfera absorveriam parte do sinal. Eu e meus companheiros criamos então a fibra óptica, que consiste basicamente em dois fios de vidro com alto grau de pureza. Um deles é o núcleo e tem cerca de 10 micrômetros – algo invísivel ao olho humano – e dentro dele é que passam os raios laser. O núcleo é envolvido por uma casca, que tem 100 micrômetros – o tamanho de um fio de cabelo – e serve para protegê-lo. Você pode transmitir uma quantidade gigantesca de informação pela fibra óptica, aproximadamente um bilhão de vezes mais o que é possível fazer através de um cabo de cobre. É preciso dizer ainda que a quantidade de informação depende do tamanho dos cabos, e da potência do laser, mas, a taxa mais alta que tivemos é a de 111 gigabits por segundo.

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FOTO: Clayton de Souza/Estadão

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Onde a fibra óptica se faz presente na vida das pessoas?O uso mais importante das fibras ópticas hoje é feito na área de comunicações: um cabo de fibra óptica pode substituir três mil pares de cabos de cobre. Quando você anda na rua e vê os fios de telefone, provavelmente a maioria desses cabos é de fibras ópticas. Eles conectam, por exemplo, as antenas que captam o sinal do seu celular e as centrais de telefonia, ou servidores das empresas que fornecem banda larga e as casas das pessoas.

A fibra óptica tem um prazo de validade? Quando criamos a fibra óptica, nunca acreditamos que toda a sua capacidade de banda seria utilizada totalmente. Era 1972, não havia computadores, celulares e estávamos felizes porque tínhamos calculadoras de bolso! Nós só não podíamos prever que o uso de comunicações explodiria nas próximas décadas. Hoje em dia, estamos muito perto de usar toda a capacidade de banda da fibra óptica. Em dez anos, essa capacidade estará esgotada.

O que está sendo feito para evitar a saturação? O que buscamos agora é fazer uma fibra que possua vários núcleos dentro dela, e não apenas um, para que um cabo possa levar mais e mais informações. Outra ideia é retirar o núcleo: ele será apenas um buraco com ar, e a casca será parecida com um favo de mel. Ambas as ideias já são possíveis, mas ainda não têm produção em escala industrial viável.

Quais são as possibilidades de uso da fibra óptica que ainda estão sendo adotadas? Nós descobrimos há algum tempo que a fibra também pode ser usada como um sensor, o que tem representado bons avanços na medicina e nos transportes. Hoje, todo navio e todo avião tem um giroscópio feito com fibra ótica, que serve para detectar problemas de movimentação. Na medicina, é possível usar a fibra óptica para, através do laser, destruir alguma doença que esteja no seu coração: a fibra é inserida através das veias e conectada direto ao coração. É um processo muito menos invasivo. Outra área importante é a indústria: hoje, se você adicionar os componentes certos ao vidro de que a fibra é feita, ele pode se transformar em um laser. Isso nos permite ter lasers muito compridos, com potência entre 2 e 5 kW (kiloWatts), capazes de cortar peças de aço e ferro como manteiga derretida.

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No Brasil, há muito tenta se adotar a fibra óptica em larga escala, mas o preço é sempre um obstáculo. O que o senhor tem a dizer sobre isso? Preciso dizer que a fibra óptica por si só é uma tecnologia muito barata e muito simples, com cabos que custam menos de US$ 0,01 por metro. Mesmo se você tiver cem fibras dentro de um cabo, ainda assim ele vai custar US$ 1 por metro. Acredito até que seja um cabo mais barato que o cabo de cobre. O problema é a instalação: custa muito dinheiro erguer novos postes e fazer o cabeamento entre eles, e comprar os aparelhos para tornar a tecnologia utilizável para as pessoas. Esse é o grande custo: o da construção. Mas esses preços estão caindo, porque são produtos que são cada vez mais consumidos. Quando nós começamos, um metro de fibra óptica custava US$ 1 – hoje, é um preço cem vezes menor. As coisas evoluem.

O senhor poderia imaginar o quanto sua invenção mudaria o mundo? Sim! Quando começamos a trabalhar na fibra óptica, em 1967, achamos que ela ia mudar o mundo das comunicações instantaneamente. Não foi o que aconteceu: precisamos esperar outras invenções para que o sistema se tornasse viável, e mais ainda para que computadores pessoais e interfaces amigáveis de software criassem a necessidade do uso da fibra óptica em larga escala. Juntos, PCs, softwares e fibra óptica possibilitaram a internet, que sim, mudou o mundo. Da ideia original à utilização industrial, foram mais de quinze anos. E só quarenta anos depois é que nós vemos essa tecnologia chegando de fato à casa das pessoas.

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