A internet precisa nos permitir esquecer; diz professor de Oxford

Para o professor da Oxford, Viktor Mayer-Schönberger, esquecer é uma necessidade humana

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Por Murilo Roncolato
Atualização:
 

SÃO PAULO – O espanhol Mario Costeja venceu uma ação contra o Google em um tribunal europeu encerrando uma discussão que começou fora da internet em 1998 e tomou o ambiente digital em 2009. Querendo que um fato antigo de sua vida desaparecesse dos resultados de busca por seu nome no Google, Costeja pediu ao Google que impedisse que esse link voltasse a aparecer.

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Embora o Google argumentasse desde o início que apenas exibe conteúdos indexáveis (que estão online e passíveis de serem encontrados) e não tem responsabilidade sobre o conteúdo, a empresa perdeu. O Tribunal europeu decidiu que qualquer indivíduo tem o direito ao “esquecimento” e pode pedir a remoção da internet de links que considere negativos para sua imagem, mesmo que o original corresponda à verdade e tenha sido postado legalmente. Até então, a remoção era realizada apenas em casos onde era comprovado algum dano moral ou difamação.

O professor de governança e regulação da internet de Oxford, Viktor Mayer-Schönberger, conversou com o Link por e-mail e comentou sobre a importância de as pessoas poderem esquecer e como as ferramentas digitais não cooperam com essa necessidade humana. Antigo professor em Harvard, Mayer-Schönberger é autor dos livros Big Data – A revolution that will transform how we live, work and think (traduzido no Brasil como Big Data – Como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de informação) e Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age (Deletar: A Virtude de Esquecer na Era Digital), sem edição em português.

Qual o equilíbrio entre censura e direito de esquecer? Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não disse nada em sua decisão sobre as informações exatas que o espanhol pediu para remover. E o seu pedido foi anteriormente negado pelas autoridades de proteção de dados espanholas. Portanto, esta questão é simplesmente a ligação que o Google faz ao conteúdo, e não ao conteúdo em si. Em segundo lugar, o Tribunal também deixou claro que esta é lei que exige que se equilibre o direito à privacidade contra o direito do público de conhecer e ter fácil acesso à informação. Esse direito deve ser contemplado tendo em mente todo o contexto. Neste caso, a informação estava ultrapassada e era irrelevante, e, portanto, foi julgado pelo Tribunal como não sendo necessária a sua preservação. Em terceiro lugar, este não é um direito novo, mas reafirma o direito de remoção presente na legislação europeia há duas décadas.

Em todo o mundo se discute sobre a responsabilidade dos provedores de serviços e aplicações (como Google e Facebook ) sobre o conteúdo de terceiros. Eles devem ser responsáveis por esquecer alguma coisa? Ou talvez o autor original deveria responder por isso?Bem, o Google está fazendo muito dinheiro sendo o intermediário de muitos de nós para encontrarmos informações online. Uma regra de ouro é que aqueles que colhem os benefícios comerciais de algo também deve assumir alguma responsabilidade. Isso parece justo.

 

O que aconteceria se todos começassem a apagar informações de si na web? Essa decisão não influi exatamente sobre isso. Por conta da necessidade de equilíbrio nesse tema, não seria suficiente apenas um indivíduo solicitar a exclusão ao Google. Uma série de elementos adicionais teriam de estar envolvidos. Resumidamente, uma ação dessas tomaria muito tempo e esforço, e, como resultado, provavelmente poucas pessoas no futuro vão se preocupar em pedir para deletar qualquer coisa.

Você acha que é importante esquecer as coisas? Como isso poderia acontecer agora na nossa era digital? Sim, eu acho que o esquecimento desempenha um papel muito importante para os seres humanos. Ela nos permite ir além do passado, evoluir e crescer como pessoas. Se desfazemos o esquecimento permanecemos para sempre acorrentados ao nosso passado, e, assim, ficamo incapazes de mudar. Sem esquecer, não há perdão também. Por isso, precisamos ter certeza de que as poderosas ferramentas digitais que usamos também nos permita esquecer o que não queremos lembrar. Já vemos algo assim – por exemplo, com o recente sucesso de aplicativos como Snapchat, que permite que as pessoas compartilhem informações com uma ‘data de validade’, e, assim, garante a efemeridade e o esquecimento. Acredito que vamos ver mais e mais ferramentas digitais que permitem o esquecimento, pois como humanos, é com o que estamos familiarizados e precisamos.

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[Em 2009, o professor foi entrevistado pelo então repórter Rafael Cabral sobre o lançamento do seu livro 'Delete'. Abaixo uma pergunta e resposta dessa entrevista que não merece ser esquecida]

Como seria o homem que não esquece? Terrível. Como os humanos esquecem naturalmente, nós conseguimos deixar eventos traumáticos de lado. Com a memória eletrônica nós seremos constantemente lembrados dos nossos erros e traumas do passado, e nos manteremos presos a eles. Uma pessoa com uma memória perfeita ficará sempre presa aos detalhes e jamais será capaz de generalizar ou abstrair deles.

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