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A menina dos olhos

Ela faz cálculos em supercomputadores para desvendar as propriedades do grafeno, considerado o futuro da indústria eletrônica

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Ela faz cálculos complicados em supercomputadores para desvendar as propriedades do grafeno, material considerado o futuro da indústria eletrônica e que deverá ser aplicado em chips menores e mais rápidos, telas touchscreen e internet ultrarrápida

 Foto: Estadão

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Ana Luiza Pereira estava terminando seu doutorado em nanociências quando ouviu falar pela primeira vez do grafeno. Era 2004. O material havia acabado de ser descoberto e casava perfeitamente com o que ela pesquisava: sistemas de base de elétrons em duas dimensões. “Foi uma alegria imensa”, descreve. E assim ela se debruçou sobre o material que ainda era desconhecido, mas que hoje é a menina dos olhos da indústria eletrônica.

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Embora as pesquisas estejam ainda no início, já se sabe que o grafeno tem potencial para ser o responsável pelo desenvolvimento da eletrônica daqui para a frente. Ele é visto como provável substituto do silício, e pode ajudar no desenvolvimento de itens que vão de uma tela sensível ao toque melhorada a uma rede de internet ultrarrápida.

O grafeno, explica Ana Luiza, “tem propriedades químicas bastante diferentes das de outros materiais já conhecidos”. Em primeiro lugar, ele é um excelente condutor de eletricidade. “Ele conduz com uma velocidade muito alta, tem uma mobilidade muito elevada. É um excelente condutor tanto de eletricidade quanto de calor, então é um ótimo material para ser usado em dispositivos eletrônicos.”

Além disso, é o material mais impermeável que existe e é extremamente forte – 100 vezes mais do que o aço. O prêmio Nobel de física de 2010 foi para Andre Geim e Konstantin Novoselov, pesquisadores que estudam as propriedades do grafeno.

Colmeia de uma linha. Visto de perto, o grafeno nada mais é do que uma estrutura plana de átomos de carbono organizados em forma de colmeia. Cada nó é um átomo de grafeno. Só que a simplicidade em sua estrutura esconde um material com alto potencial para a indústria.

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Sua estrutura é praticamente bidimensional – tem apenas a altura de um átomo. Por isso, é transparente, flexível e pode ser aplicado em chips minúsculos. Muito menores do que o silício. O material que até hoje foi o responsável pela criação de chips menores e mais potentes está chegando ao limite do processo de miniaturização.

Dentro da Lei de Moore (que prevê o desenvolvimento de hardwares), a capacidade dos chips dobra a cada dois anos pelo mesmo custo. Se a lei se mantiver (e está sendo cumprida desde a década de 60, quando o então presidente da Intel, Gordon Moore, criou o modelo), em quatro ou cinco anos o silício já não vai mais dar conta da capacidade dos processadores a um tamanho e custo reduzido.

 Foto: Estadão

A solução pode ser o grafeno.

“Já se falava muito desse limite e dessa necessidade de substituição, por não se conseguir reduzir mais do tamanho do silício. Daqui a poucos anos se chegaria ao limite em que não se conseguiria mais reduzir o tamanho dos componentes eletrônicos. E com o grafeno seria possível começar uma nova escala, bem menor”, diz Ana Luiza.

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O que está mais evoluído na parte de aplicação, porém, é o uso do grafeno em telas touchscreen. “Ele é maleável, resistente, não rompe as ligações”, explica a pesquisadora. Por isso, permite criar telas sensíveis ao toque com a espessura de uma folha de papel.

A aplicação mais recente descoberta é para a criação de uma internet bem mais veloz. Pensava-se que o grafeno não era bom para isso porque o material, praticamente transparente, não absorve luz. Mas os mesmos pesquisadores que ganharam o Nobel descobriram que misturar o grafeno com nanopartículas metálicas faz que ele se torne um excelente condutor de luz. “Ele ficou mais rápido do que a fibra ótica que é usada hoje em dia. Já se fala em internet ultrarrápida movida a grafeno”, afirma Ana Luiza.

Equipes de várias empresas já estão debruçadas no estudo do material. A IBM apresentou, no ano passado, um transistor feito de grafeno. Um grupo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) já havia feito um chip do tipo em 2009, mas a IBM ainda bateu o recorde de velocidade – o chip operou a 100 gigahertz. Estima-se que um processador feito de grafeno possa chegar à velocidade de até 500 GHz. Um chip de silício só iria até 5 GHz.

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Ainda não dá para especular, porém, quando o grafeno estará presente em aparelhos comuns. Ana Luiza diz que é possível que a nova geração de eletrônicos já venha baseada no grafeno. “Não dá para dizer que no ano que vem estarão nas lojas, mas sim em menos de 50 anos.”

A pesquisadora de 35 anos é uma das poucas mulheres na área. “Eu gostaria de dizer que, enquanto mulher, eu gosto muito do que eu faço, eu acho muito interessante.”

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Ela diz não entender por que, historicamente, as mulheres deixam de lado as ciências exatas. “Dentro da física há tantas áreas, tem gente que gosta de laboratório, outros gostam de simulações em computadores, outros teoria mesmo, na caneta e no papel. Há tantos experimentos interessantes, em contato com as fronteiras do conhecimento.”

Ana faz simulações computacionais sobre características do grafeno – ela estuda seus defeitos (quando, por exemplo, a superfície tem alguma irregularidade ou falta um átomo na colmeia) e como isso reflete nas propriedades do material.

Ela está estudando, por exemplo, como o grafeno reage a essas imperfeições – ele continua um excelente condutor quando tem um átomo faltando ou está exposto a um campo magnético?

A investigação da pesquisadora, professora da Unicamp, deu a ela o prêmio de Mulheres na Ciência. “Nada é perfeito. Sempre há algum tipo de desordem. Dá para entender melhor algumas propriedades quando você considera as imperfeições”, ensina, numa máxima que vale para além do mundo nanométrico que ela estuda.

POTENCIAL

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Do grafite | O grafeno foi descrito pela primeira vez em 1987 – foi o nome dado para uma das camadas do grafite. Foi só em 2004, porém, que os cientistas conseguiram separar e isolar o material. Andre Geim e Kostya Novoselov, da Universidade de Manchester, isolaram uma finíssima camada de grafeno (que tem a espessura um átomo) e a isolaram em uma base de silício, em um processo chamado de “técnica de fita adesiva”. Foram eles também que, ao adicionar nanoestruturas metálicas ao grafeno, notaram que cria-se um excelente condutor de luz – daí veio a possível aplicação em redes ultrarrápidas.

Nobel | Os dois pesquisadores receberam o prêmio Nobel de Física em 2010 por suas pesquisas.

—-Leia mais:Link no papel – 10/10/2011

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