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Por dentro da rede

Opinião|A 'microfonia' na internet

Repassar a quantidade avassaladora de notícias e informações duvidosas que recebemos sobre qualquer tema pode levar o nosso ambiente a entrar numa espécie de “microfonia de informação”, aumentando o ruído!

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Atualização:

Li em algum lugar que a quarentena assemelha-se ao regime do “pinto na granja”: acendeu a luz, comer; apagou a luz, dormir. Do meu lado não estou neste regime do pinto. Ao contrário, as telerreuniões se multiplicam e chega-se a ter várias marcadas para a mesma hora. Estamos em casa e nossa disponibilidade parece total! Há reuniões virtuais na hora do almoço, de noite, de manhãzinha, sem contar as internacionais, que acabam acontecendo em horas ínvias. Um dos poucos consolos que temos é a companhia virtual dessa legião de espirituosos piadistas, ferrenhos fofoqueiros e abnegados distribuidores de informação duvidosa… 

Na quarentena, a internet é o mundo que ainda conseguimos atingir. Usamos para falar com filhos e amigos, discutir decisões a tomar em nosso trabalho, receber carradas de informações sobre a covid-19, e... reenviar muitas delas, como também o fazemos com vídeos da família, piadas, etc. Diz-se que poderíamos usar o tempo, que agora nos sobra, para leituras, reencontrar velhos discos e filmes, conversar com os outros “detentos” de nossa casa, mas… como resistir ao canto de sereia da rede? E, mais, hoje há também ofertas diárias grátis de transmissão de eventos, concertos, óperas!

Para manter um sistema funcionando de forma saudável pode ser necessário reinjetar na sua entrada uma amostra invertida da saída: a 'realimentação negativa' Foto: Pixabay

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Volto às telerreuniões: não raro, os que estão numa delas, descuidados, deixam o microfone ativo. Além dos ruídos caseiros que nos distraem da discussão, ouve-se muitas vezes uma tempestade de “ecos” que impede a conversa. O diagnóstico é simples: algum microfone enxerido escutou um som da conversa, o interpretou como se fosse a voz de seu “dono” e o retransmitiu. Acontece na rede algo parecido à velha “microfonia” analógica. É comum em eventos um microfone mal controlado escutar o alto-falante e reenviar ao amplificador o som recebido. Inadvertidamente reamplificado o som torna-se aquele desagradável apito ensurdecedor. 

Lembro dos velhos tempos da engenharia, curso de controles, em que se alertava da instabilidade gerada por “realimentação positiva”, ou seja, quando um sinal emitido é reenviado para a entrada do mesmo amplificador.

Isso para concluir que, nesses momentos de clausura compulsória, se já aprendemos a fechar o microfone para não atrapalhar videoconferências, deveríamos seguir o mesmo critério ao recebemos algo e não reenviá-lo automaticamente. Repassar a quantidade avassaladora de notícias e informações duvidosas que recebemos sobre qualquer tema (e o tema do momento é a covid), pode levar o nosso ambiente a entrar numa espécie de “microfonia de informação”, aumentando o ruído!

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Na mesma toada, por exemplo, quando um aplicativo que usamos com frequência resolve nos indicar conteúdos escolhidos, pelo seu algoritmo, como sendo do “nosso interesse”, recebemos “realimentação positiva”. O cenário pode piorar se a Inteligência Artificial ajudar no esforço de enviar-nos mais daquilo que parecemos gostar.  Uma proposta que poderia ser mais saudável, mental e emocionalmente, seria que os algoritmos incluíssem propositadamente conteúdos no sentido oposto do que estamos lendo. Em eletrônica, isso seria a “realimentação negativa”. 

Para manter um sistema funcionando de forma saudável pode ser necessário reinjetar na sua entrada uma amostra invertida da saída: a “realimentação negativa”. Se os algoritmos não nos proporcionam essa diversidade, que tal criá-la nos mesmos? Afinal Tomás de Aquino já advertia: “temo o homem de um livro só”.

Opinião por Demi Getschko
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