A obsessão pelas especificações técnicas

O mal incurável que aflige os fãs da tecnologia

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Por Redação
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O mal incurável que aflige os fãs da tecnologia

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Na minha coluna publicada no Times na última quinta feira, fiz uma resenha do celular Lumia 900, da Nokia. Muitas pessoas (entre elas os executivos da Nokia) consideram o aparelho a última tentativa expressiva da empresa de encontrar mais espaço no mercado americano de smartphones. A Microsoft também está apostando alto no aparelho, que usa o seu software Windows Phone 7. Como a própria Nokia, o sistema operacional não está fazendo sucesso.

Depois que faço a resenha de produtos importantes como este, às vezes pesquiso na rede para ver o que escreveram os outros jornalistas, para ver se tiveram uma impressão semelhante à minha. No caso do Lumia, alguns jornalistas mencionaram em suas resenhas algo que não me chamou a atenção: o processador do Lumia. Uma das características mais notáveis do celular é o seu preço: US$ 100 com o contrato, em vez dos US$ 200 que celulares deste tipo costumam custar.

E uma das maneiras que a Nokia encontrou de chegar a este preço foi usar um processador Scorpion de 1,4GHz e núcleo único, em lugar de processadores como o Qualcomm APQ8060 de 1,5GHz e dois núcleos, por exemplo, encontrado em alguns dos rivais da plataforma Android.

Horrível, não?

Bati na testa. Este tipo de raciocínio me deixa louco. Quem diabos se importa com o processador que está dentro do aparelho – desde que o celular pareça ágil? Estamos falando de um celular ágil. Muito, muito ágil.

Ao que me parece, para um consumidor, pouco importa se um celular usa um Snapdragon, um processador de dois núcleos ou um hamster correndo numa roda. A única coisa que importa é a velocidade de funcionamento do celular.

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Entre os entendidos em tecnologia, isto é chamado de um caso típico de distúrbio de obsessão pelas especificações técnicas (DOET). Vemos este tipo de coisa o tempo todo.

Tempos atrás, os fabricantes de PCs costumavam anunciar seus computadores promovendo a quantidade de mega-hertz do chip que dava vida ao aparelho. Lembram-se disso? “Equipado com um Pentium 4 de 2,4 giga-hertz”, como se isto nos dissesse tudo que precisamos saber a respeito da potência do computador. A velocidade de processamento de um chip era apenas um pequeno fator dentre os muitos que determinavam a velocidade do PC – e não era nem mesmo o fator mais importante.

A quantidade de memória, a velocidade e o tamanho do disco rígido, a velocidade do barramento – tudo isto determinava a potência do PC. Mas o papel de palhaço coube à Intel. No fim, a empresa não pôde mais aumentar a velocidade de processamento – e, por isso, deixou de apresentar esta estatística. A empresa desenvolveu outras maneiras de tornar um processador mais rápido – maneiras que não podiam ser representadas por um único número. É por isso que, hoje em dia, ninguém diz, “Vou mudar para um PC de 3 giga-hertz”.

Da mesma maneira, durante anos fomos ensinados a acreditar que a qualidade de uma determinada câmera era determinada pela sua quantidade de megapixels – um mito que, felizmente, já foi devidamente derrubado. Hoje em dia, o número de megapixels aparece com frequência muito menor nos anúncios, e as mais inteligentes dentre as fabricantes de câmeras (a Canon, por exemplo) estão até invertendo a tendência. Estão fabricando câmeras com menos pixels, mas com pixels melhores.

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Mas o distúrbio de obsessão pelas especificações técnicas continua vivo. Ainda discutimos a respeito dos pormenores do vídeo em alta definição, comparando os padrões 720p e 1080p. Não conte a ninguém, mas tenho minhas dúvidas quanto à capacidade do espectador médio de identificar a diferença entre os dois padrões quando vistos de uma distância normal.

Está bem, talvez isto seja possível se tivermos dois televisores dispostos lado a lado, com ambos reproduzindo discos Blu-Ray. Mas a maioria das pessoas não vive uma situação parecida. Tudo que enxergam é uma imagem impressionantemente nítida, e isto as satisfaz. (Além disso, a fonte da imagem também é importante. As emissoras de TV comum não oferecem uma resolução suficiente para preencher um quadro de 720p, que dirá um quadro de 1080p.)

Não quero nem entrar no mérito das proporções de contraste. Alguém realmente acha que uma pessoa comum seria capaz de identificar a diferença entre um contraste de 500.000:1 e outro de 1.000.000:1? A obsessão com as especificações técnicas também me tira do sério porque, francamente, estamos avaliando algo com base numa informação a respeito daquilo que está dentro do produto. Quando comprávamos um PC, alguém tirava o processador para medir por conta própria os tais 3GHz?

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Alguém conta os pixels de suas TVs de alta definição, ou de suas câmeras?

Não, é claro que não; simplesmente acreditamos na informação que o fabricante nos passou. E, como bem sabemos, isto pode causar problemas.

Continuarei a informar as especificações técnicas mais importantes em minhas resenhas, porque os amantes da tecnologia se importam com essas coisas. Mas, para mim, as perguntas não deveriam ser, “Quanto este tablet tem de memória? Quantas candelas de brilho a tela deste celular é capaz de produzir? Qual é o processador gráfico deste laptop? De quantos miliamps/hora é a capacidade da bateria?”

Em vez disso, as perguntas deveriam ser, “O aparelho é mesmo rápido? Sua aparência é boa? É possível ler textos na tela mesmo na luz do sol? A bateria dura bastante? Quanto tempo dura a bateria?”

Ainda assim, estas são perguntas secundárias. As principais perguntas são, “O aparelho tem uma boa relação custo-benefício? Seu design é impressionante? Devo comprá-lo?”

E, no caso do Lumia 900, as respostas para estas perguntas são “sim”, “sim” e “talvez”.

* Publicado originalmente em 5/4/2012.

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