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Opinião|A República da Fake News

Há método na invenção de uma notícia falsa, pois ela busca atingir um grupo específico

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Deputado Jean Wyllys renunciou em janeiro após forte ataque nas redes sociais Foto: Dida Sampaio/Estadão

A história da campanha de destruição da imagem do deputado federal eleito Jean Wyllys (PSOL-RJ), promovida ao longo dos últimos anos, um dia precisará ser estudada. Foi um laboratório sobre como emplacar notícias falsas (fake news), fazer com que sejam distribuídas na internet, e convencer uma quantidade imensa de pessoas.

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No caso de Wyllys, que na semana passada abriu mão de seu mandato, este é o roteiro de um lento e doloroso processo de desgaste pessoal que, no final, ficou bastante sério. Mas as técnicas dominadas, com ele por vítima, foram aplicadas durante a campanha eleitoral e, já está claro, continuam a pleno vapor. É uma máquina de desinformação cujo objetivo não é tanto o de criar uma realidade paralela, mas, principalmente, deixar surgir uma névoa de confusão onde verdade e mentira perdem distinção no debate público.

É uma máquina ágil e azeitada.

Sobre Wyllys, nos últimos anos, espalharam-se notícias de toda sorte. De que, por exemplo, havia proposto um projeto para tornar obrigatório o ensino do Islã no Brasil. Ou tornar o Islamismo religião oficial. O parlamentar também teria proposto um uniforme escolar comum para meninos e meninas — saias azuis curtas. Ou teria tentado obrigar que todas as Bíblias tivessem extirpados trechos que condenam homossexualidade. Algumas das fake news mais difundidas tratam de bestialismo e pedofilia. O deputado teria buscado legalizar ambas. 

Nenhuma das informações, patentemente absurdas, é verdadeira. Mas nenhuma nasceu espontaneamente – há método na invenção de uma notícia falsa, pois ela busca atingir um grupo específico. Pela militância na causa LGBT, Wyllys foi pinçado como símbolo por quem pretendia explorar eleitoralmente uma agenda conservadora. Não basta que a extensa comunidade evangélica já seja por natureza avessa a mudanças de comportamento. Era preciso que ela se engajasse perante um perigo maior e iminente. O casamento homoafetivo, portanto, precisou parecer apenas a porta de entrada para mudanças terríveis.

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A campanha contra Wyllys não começou com ameaças a sua vida. Começou reinventando para parte do público sua imagem: a de um parlamentar que tentaria tornar o Brasil algo semelhante aos piores cenários do Velho Testamento. Mas terminou com ameaças reais. Um detalhe pouco difundido, confirmado por alguém que acompanhou as conversas, é de que o sinal amarelo foi levantado por oficiais da Inteligência do Exército. Foram eles que avisaram ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que em sua avaliação Wyllys corria risco verdadeiro, que precisava ser levado a sério.

Há método: fake news são criadas profissionalmente para manter um núcleo de militantes permanentemente em estado de alerta e, num grupo maior, plantar a dúvida perante fatos.

Quando Jean Wyllys anunciou que não retornaria ao Congresso, em poucas horas já havia um vídeo com uma suposta jornalista explicando em detalhes uma teoria mirabolante ligando o agora ex-deputado com a tentativa de assassinato do presidente Jair Bolsonaro.

Ontem, quando a versão digital da revista Época começou a circular com uma detalhada reportagem que reconstruiu, por meio de depoimentos, como a ONG da ministra Damares Alves tirou da família em que nasceu a moça que ela criou como filha, também foi rápido que apareceu outro vídeo. Neste, uma indígena anônima informa que os repórteres causaram tumulto na aldeia.  Não é verdade, mas foi de presto que o filmete começou a ser distribuído. E foi distribuído em mais de um corte. Um curto, próprio para WhatsApp. Outro, mais longo, posto no YouTube. Eles são rápidos e fazem política assim: espalhando o caos informativo. 

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