A vida de um atleta dos mouses e teclados

Longe dos pais e com estrutura de seleção, jovens vivem sonho de ganhar a vida jogando

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Por Bruno Capelas
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Para os milhões de jogadores e fãs que League of Legends (LoL) tem no Brasil, o jogo pode ser apenas mais uma diversão. Para Pedro Luís Marcari, Daniel Drummond, Thiago Sartori, Daniel Silva e Gustavo Alves, a brincadeira é coisa séria.

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Com idades entre 17 e 24 anos, os garotos ganham a vida como atletas profissionais. Juntos, sob os “nicknames” (apelidos que os identificam dentro do mundo de LoL) Lep, Danagorn, TinOwns, Dans e Minerva, eles formam o time do KaBuM e-Sports, atual campeão brasileiro do jogo criado pela Riot Games.

No último dia 26, diante de um público pagante de 6 mil pessoas (e outros 116 mil espectadores via internet), eles venceram a final do Circuito Brasileiro de League of Legends, disputada no Ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Além da vitória e do prêmio de R$ 55 mil, os rapazes da equipe ainda conquistaram o direito de disputar uma vaga na elite mundial do esporte eletrônico. No fim do mês, vão a Seattle (EUA) competir por uma das 16 vagas no campeonato mundial, cuja final será disputada em outubro, no Sangam Stadium, estádio de Seul que foi sede da abertura da Copa do Mundo de 2002.

Casa de jogoPara chegar lá, os garotos têm vivido uma rotina intensa de treinos, em concentração que não deve em nada a uma seleção da Copa do Mundo. Formado por jogadores de diferentes partes do país (Dans e Minerva são cariocas, TinOwns é do litoral paulista, Danagorn é baiano e Lep vem de Ribeirão Preto), o time mora em uma casa em Limeira, no interior de São Paulo (onde fica a sede da KaBuM), montada para que eles possam se dedicar ao game em tempo integral. Chamada de gaming house, esse tipo de organização é comum no exterior, e começa a virar padrão por aqui.

Nessa versão “gamer” da Granja Comary, os garotos contam com hospedagem, empregada doméstica, comida, roupa lavada, piscina, churrasqueira, e, claro, computadores e acesso ilimitado à internet. “Eles são muito sossegados, a gente é quase como uma família. Adoram frango e batata frita”, conta Maria das Neves, a responsável pela organização da casa.

O time ainda recebe uma ajuda de custo da empresa de varejo online que lhe dá nome, e fatura com comissões nas vendas de produtos e publicidade a partir das transmissões de seus jogos em sites como o Twitch. A KaBuM não revela valores, mas estimativas do mercado estipulam ganhos de um atleta brasileiro de LoL entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por mês.

RotinaUm dia comum na gaming house da KaBuM começa por volta das 11 da manhã, hora em que os garotos costumam acordar. São duas sessões diárias de treinos: das 14 às 17 horas, eles fazem amistosos contra outros times do País pela web. Após uma pausa para o jantar, eles retornam aos treinos às 19 horas, quando passam até quatro horas estudando novas táticas, testando personagens e se mantendo atualizados com as novidades do jogo. A partir das 23 horas, os atletas são liberados, mas é costume na casa continuar jogando até o começo da madrugada.

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Tanta dedicação e exclusividade ao universo do game, entretanto, parece não ser um peso nos ombros dos atletas. “Vivemos o League of Legends 24 horas por dia. Muitas vezes, encontramos soluções para as nossas táticas enquanto a gente janta. Se eu morasse com meus pais não seria assim”, explica Pedro Marcari.

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Nas horas vagas, os meninos fazem o estilo caseiro, preferindo gastar seu tempo livre vendo seriados, filmes e jogando o quanto puderem. Quando saem, vão ao centro de Limeira para jantar, ir ao cinema ou, eventualmente, a uma balada. É quando eles sentem na “vida real” uma pequena proporção da popularidade que têm na web: no Facebook, a página oficial da KaBuM e-Sports tem mais de 100 mil fãs, enquanto as fanpages de cada um têm entre 10 mil e 75 mil curtidas.

“Já virou algo comum para nós dar autógrafo, ver gente pedindo pra tirar foto. Não é que nem o Neymar, mas é divertido”, conta Marcari, o Lep, que revela que a habilidade dentro do game também atrai o assédio das fãs. “A ‘MariaLoL’ existe sim. Dá para ficar e namorar, mas tem que saber controlar. Muito jogador já caiu de nível porque foi atrás de mulher”, explica. Daniel “Dans” Dias, o único que namora do grupo, conta que a namorada não tem ciúme das fãs, mas sofre com a rotina do garoto. “Ela reclama que eu nunca tenho tempo para jogar com ela”, diz, sério.

O que mais afeta os garotos, entretanto, parece ser a saudade de casa. Por causa da rotina de treinos e da distância, voltar para a casa dos pais é algo pouco frequente. “Seria muito cansativo ir até o Rio de Janeiro ver minha mãe toda semana”, diz Gustavo “Minerva” Alves. “Meus pais tinham muitos planos de futuro e faculdade para mim. Foi um baque quando eu contei para eles que queria viver de games, mas hoje eles acreditam na estrutura e torcem por mim”, explica ele, que pensou em ser antropólogo antes de se dedicar ao jogo.

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Prazo de validadeApesar de contarem com o ensino médio completo, nenhum dos rapazes do time pensa em faculdade, eles guardam o dinheiro que recebem e tentam aproveitar a onda dos games enquanto podem. Afinal. a carreira de um gamer de alto nível costuma ir até os 25 anos, em média. “Depois disso, você começa a perder os reflexos e não ser capaz de clicar tão rápido, o que atrapalha bastante”, diz Lep, que se considera um atleta de verdade, e almeja o reconhecimento dos eSports como uma modalidade tradicional. “Daqui a vinte anos, imagino meus filhos vendo o eSport como surfe e skate são hoje.”

A Riot Games diz não trabalhar para que League of Legends seja reconhecido tecnicamente como um esporte convencional, embora o trate com importância. Procurado pela reportagem, o Comitê Olímpico Internacional declarou não ter nenhum pedido oficial sobre o assunto, mas abre a possibilidade de igualar os esportes eletrônicos a atividades como xadrez e pôquer, reconhecidos na categoria de “esportes da mente”, mas sem chances de entrar nos Jogos Olímpicos.

Mesmo sem o horizonte de um dia ganhar uma medalha olímpica, os garotos seguem em frente. “Jogar profissionalmente e ser campeão brasileiro é viver o sonho de muita gente. Não estamos nessa pelo dinheiro, para ficar famosos ou milionários. Estamos nessa pelo jogo, e queremos continuar enquanto pudermos”, resume Daniel Dias.

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