Bitcoin e crime colocam Deep Web em evidência

Novo documentário aborda universo que o Google não alcança e abrange tanto negócios criminosos como ativismo político

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Por Murilo Roncolato
Atualização:

SÃO PAULO – Em poucos meses, o mundo começou a ouvir falar com mais frequência sobre a existência de um mercado de drogas e armas na internet chamado Silk Road. Ao mesmo tempo, se familiarizou com o nome da moeda criptografada usada nesse comércio, o Bitcoin. Investigar a origem de cada um resultaria em uma terceira descoberta: a Deep Web (ou internet profunda).

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O ator e diretor britânico Alex Winter já havia feito um documentário sobre o Napster (chamado Downloaded), outro elemento virtual que incomodou as autoridades ao permitir a troca gratuita de músicas pela rede. Agora, Winter prepara o lançamento de um documentário sobre a razão dos incômodos mais recentes, intitulado Deep Web: The Untold Story of Bitcoin and The Silk Road (“A história não contada do Bitcoin e do Silk Road”, em tradução livre), ainda sem data para sair. Para Winter, a moeda virtual, sozinha, “tem potencial de criar um grau de perturbação global que fará o Napster parecer brincadeira de criança”.

“Estou interessado nas implicações de uma vasta rede como a Deep Web na cultura global. Para mim, falta contextualização e compreensão sobre as novas tecnologias”, diz Winter, que vê uma revolução no conjunto que dá título ao seu filme.

Em comum, está a falta de controle. O Bitcoin dispensa um banco central e não é regulamentado por nenhum governo. Mercados de itens ilegais, como o Silk Road, funcionavam sem que nenhuma autoridade pudesse fazer algo a respeito.

Na Deep Web, navega-se sob anonimato e, por isso mesmo, é difícil se ter algum controle sobre o que acontece nesse subterrâneo da internet, onde buscadores como o Google são completamente inúteis. Para Winter, é isso que torna esse universo tão interessante. “Como qualquer comunidade, ali acontecem coisas boas e más, depende do uso que se faz dela. O que desespera as autoridades é justamente não ter controle sobre isso.”

 

Crime imperfeitoA ferramenta usada para se navegar anonimamente é o Tor, criado pela Marinha americana e mantido por uma organização sem fins lucrativos (Tor Project) desde 2006. O Tor se utiliza do navegador da Mozilla, o Firefox.

Como todo software, o Tor tem falhas. Uma delas foi explorada pela polícia federal americana para prender o suposto chefe do Silk Road, Ross Ulbricht, de 29 anos, em San Francisco, há dois meses.

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Para o italiano especialista em cibersegurança Pierluigi Paganini, o pleno anonimato na web é “utopia”. “Além de os governos controlarem as redes, é bem fácil rastrear as atividades de um usuário online.

“É certo que os mais experientes podem adotar uma série de medidas para limitar sua exposição, mas receio que (com a exposição trazida pelo caso da Silk Road) isso se tornará uma tarefa cada vez mais difícil”, diz Paganini.

Embora o Silk Road, que pelos cálculos do FBI já fez circular 9,5 milhões de bitcoins (na época, o equivalente a US$ 1,2 bilhões em vendas), tenha sido fechado, a única coisa certa é que o comércio ilegal realizado sob o anonimato da rede não está nem perto de acabar.

“O Silk Road é só a ponta do iceberg. Fechá-lo só gerou a migração da comunidade envolvida para outros mercados. A luta contra o cibercrime está apenas começando”, avalia o italiano, autor dos livros The Deep Dark Web e Digital Virtual Currency and Bitcoin.

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Outro ladoO controle e a possibilidade de uma regulamentação opressiva cair sobre o Tor também preocupa. Além das atividades ilícitas, a ferramenta é muito utilizada por jornalistas, ativistas e cidadãos que vivem sob governos não democráticos, onde a internet é censurada e o direito à livre expressão e o acesso à informação são bastante restritos.

Para Francisco Brito Cruz, pesquisador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da USP, essa dualidade é o que torna o Tor um dos pontos-chave na disputa pela regulação da internet de modo geral, discutida em propostas como o Marco Civil. O Núcleo abriu inclusive uma linha de pesquisa focada na “controvérsia jurídica criada por mecanismos de navegação anônima”.

“Precisamos perceber o anonimato como uma ferramenta de defesa da nossa privacidade. Nunca foi razoável um governo poder meter o bedelho em quais livros estamos lendo. Por que não seria razoável criar uma ferramenta para impedir que bisbilhoteiros fiquem olhando quais sites acessamos?”, argumenta o pesquisador que ainda acredita que, para o usuário comum, conhecer o Tor hoje “é tão importante quanto conhecer o Whatsapp, o SnapChat ou o Instagram”.

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A falta de controle do Estado, nesse sentido, não é a parte ruim da história. “O que é preocupante é o que pode estar em jogo caso determinados tipos de controle sejam estabelecidos”, diz Cruz. “Se forem implementados sem debate e reflexão com a sociedade, estes controles de uso da rede podem facilmente se tornar instrumentos de violação de direitos fundamentais.”

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