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Por dentro da rede

Opinião|Boas maneiras

São tempos que necessitamos de “boas maneiras” para preservar alguma esperança

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Atualização:

A forma de convivência mais segura não é, ao contrário do que possa parecer, a existência de leis que nos obriguem à civilidade e à lhaneza, mas algo mais profundo e cultural, que nos constranja a seguir uma etiqueta social de convívio. Mais importante que uma lei que nos mande ceder o lugar a um ancião ou a uma grávida é termos a convicção moral de que isso é o correto a fazer.

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O convívio na Internet segue na mesma linha. Sendo uma rede composta de milhares de redes autônomas independentes que aceitam voluntariamente integrar-se num único corpo, a cooperação e colaboração entre todas é vital para que a colcha de retalhos resultante seja operacional, eficiente e segura. 

Apenas como exemplo, lembremos como funciona a descoberta de rotas na Internet: como uma mensagem, que mando de meu computador a um distante alguém, chegará ao seu destino? O “mágico” que opera a proeza é um padrão, com mais de 20 anos de existência, chamado BGP (Border Gateway Protocol), o protocolo de borda. O BGP orienta a uma rede que, numa espécie de confidência vicinal, informe às suas vizinhas o que sabe e o que ela contêm, ao mesmo tempo que recebe esse tipo de informação das vizinhas. A troca de informações é propagada e gera uma tabela de roteamento que define caminhos e, passo a passo, levará a mensagem ao destino. 

Há muitas outras minúcias no roteamento da Internet, mas essa descrição simplista mostra claramente como funciona a colaboração: os dados andam na rede porque seus integrantes cooperam e repassam o que sabem aos vizinhos, criando rotas dinâmicas e eficientes. 

O lado complexo e obscuro fica por conta dos detalhes, tradicional residência do Tinhoso... Sempre os mal-intencionados podem se valer da confiança que receberam de seus pares, para fraudar o bom comportamento da rede toda, seja disseminando informações falsas afetando rotas e topologia, seja fazendo-se passar por outrem para atacar alguém na rede. O dilema dos técnicos e operadores é como resolver (ou minimizar) essas ameaças, sem romper com os princípios fundadores da rede. Afinal, a Internet é conservadora em termos de princípios.

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A Internet Society (ISOC), uma das instituições mais tradicionais, foi fundada em 1992 e funciona também como suporte administrativo ao IETF (Internet Engineering Task Force). A ISOC lançou uma iniciativa para, preservando as boas características da rede, diminuir o espaço de ação dos malfeitores: MANRS (Mutually Agreed Norms for Routing Security), algo como “normas mutuamente acordadas para a segurança do roteamento”. Os iniciados na área pronunciarão o acrônimo em inglês como “maners”, ou seja “maneiras”. Boas maneiras. 

Há vasta informação sobre o MANRS na Internet (em www.manrs.org). Se todos os operadores de redes autônomas implementarem as medidas que o MANRS prescreve, é bem provável que o número de ataques de negação de serviço e quetais diminua. E há a boa notícia de que muitos já aderiram e novos continuam a chegar. O NIC.br, que opera os Pontos de Troca de Tráfego no país, assinou com a ISOC um memorando de entendimentos para apoiar a disseminação do MANRS. São tempos em que necessitamos cada vez mais de “boas maneiras”, tanto na rede como na sociedade, para preservar, ainda, alguma esperança.

Opinião por Demi Getschko
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