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‘Brasil não tem uma lei de proteção de dados’

No USP Talks desta semana, Antonialli será um dos palestrantes a debater a importância da privacidade na internet

Por Herton Escobar
Atualização:
Recurso não é efetivo, segundo Antonialli Foto: DANIEL TEIXEIRA/ ESTADAO

O escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica – que usou dados de 87 milhões de usuários do Facebook para influenciar a as eleições de 2016 nos Estados Unidos – mostra “como dados pessoais podem ser usados para novas formas de manipulação de nossos gostos, preferências e interesses”, afirma o professor Dennys Antonialli, coordenador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (NDIS-USP).

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O pesquisador, que será um dos palestrantes no USP Talks sobre Privacidade na Era Digital, que acontece amanhã, também defende que o Brasil tenha um marco legal para determinar limites para coleta e uso de dados pessoais de cidadãos. “Até hoje o Brasil ainda não tem uma lei geral de proteção de dados, instrumento regulatório que já existe em mais de cem países ao redor do mundo”, diz Antonialli.

O USP Talks acontece nesta terça-feira, das 18h30 às 19h30, no auditório do Museu de Arte de São Paulo (MASP). A entrada é gratuita, com distribuição de ingressos na bilheteria à partir das 16h30. O evento terá outra palestrante, a professora Elizabeth Saad Corrêa, da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP). Leia, a seguir, a entrevista de Antonialli ao Estado:

O que o escândalo da Cambridge Analytica e Facebook nos diz sobre privacidade na internet? Ele ajuda a ilustrar como nossos dados pessoais podem ser usados para criar novas formas de manipulação de nossos gostos, preferências e interesses. A partir de inferências sobre nossa personalidade, é possível criar mensagens e conteúdos personalizados, que têm um poder de persuasão muito maior. O valor desses dados pessoais e das sofisticadas tecnologias de tratamento deles está justamente aí. Enquanto essas técnicas de manipulação estavam mais restritas à publicidade era mais difícil vislumbrar suas consequências negativas. Ao percebermos que elas podem ter outros tipos de aplicação, como durante campanhas eleitorais, a preocupação sobre atividades de coleta e tratamento de dados pessoais se tornou mais palpável.

O que a lei brasileira diz sobre privacidade na internet? Até hoje o Brasil ainda não conta com uma lei geral de proteção de dados, instrumento regulatório que já existe em mais de cem países. Isso significa que o direito à privacidade no Brasil é garantido de forma principiológica, sem oferecer regras claras sobre as situações as nas quais as atividades de coleta e tratamento de dados pessoais podem acontecer. Além da insegurança jurídica que isso gera, a ausência de regulamentação expõe os brasileiros a práticas invasivas e inseguras, seja no caso de empresas que lidam com dados pessoais, seja no caso do Poder Público, que também detém enormes bancos de dados sobre os cidadãos. 

Como o Direito vê a questão do consentimento do usuário? O consentimento foi por muito tempo a regra de ouro para autorizar atividades de coleta e tratamento de dados pessoais. Esse modelo é alvo de duras críticas e, cada vez mais, se mostra um instrumento ineficiente. Quem, de fato, lê as políticas de privacidade das páginas e aplicativos que utiliza? O consentimento precisa estar associado a outras estratégias de proteção de dados, como a privacidade por padrão (aquela já embutida na arquitetura da internet).

E quando robôs “espionam” a nossa navegação na internet, sem pedir autorização, isso é legal? É praticamente impossível navegar hoje sem ser monitorado de alguma forma! 

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Há variadas formas de monitoramento de nossos hábitos de navegação na internet, desenvolvidas e encampadas por diferentes atores e com diferentes propósitos, que vão de modelos de negócio a atividades de vigilância promovidas por Estados e agências de inteligência. As formas mais comuns estão associadas a um complexo ecossistema de publicidade digital, que está por trás de muitos dos modelos de negócios das grandes plataformas de internet, como Google e Facebook. Tecnologias de monitoramento foram desenvolvidas para tornar possível o oferecimento de ferramentas de direcionamento de conteúdos (em geral anúncios) aos usuários. Essas tecnologias são empregadas não somente pelas plataformas que utilizamos ou pelas páginas que visitamos, mas também — e sobretudo — por terceiros, que realizam esse monitoramento para exibir anúncios. Por ter uma relação praticamente invisível com os usuários, é muito difícil controlar a sua atuação e conscientizar os usuários sobre as suas atividades.

Essa perda de privacidade tem algum lado positivo? O que a sociedade perde e ganha com essa nova realidade?

Atividades de coleta e tratamento de dados permitem o desenvolvimento de aplicações que transformaram nossa sociedade. Do oferecimento de anúncios mais relevantes a importantes empreitadas científicas, como o projeto Genoma, tudo é possível graças a ferramentas de análise de dados. Ignorar o potencial dessas ferramentas e a inovação que podem promover não é o que está por trás das demandas por proteção da privacidade. O que devemos debater são as regras do jogo: estabelecer limites para as atividades de coleta e tratamento de dados, impedir que seus usos discriminem ou manipulem os cidadãos e evitar que tenham reflexos adversos na construção de sociedades mais democráticas, pluralistas e inclusivas. 

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