Castelos de areia na lua

O engenheiro italiano Enrico Dini criou uma megaimpressora 3D que poderá, um dia, gerar prédios inteiros

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Por Rafael Cabral
Atualização:

Desde a infância, o italiano Enrico Dini fazia castelos de areia e sonhava com uma arquitetura de formas irregulares e praticamente impossíveis de serem construídas pelos métodos tradicionais. Foi com isso na cabeça que, em 2003, o engenheiro começou a desenvolver o megalômano projeto da D-Shape, uma megaimpressora 3D que geraria prédios inteiros de uma vez só. Para isso, a máquina reaproveitaria a mesma areia que o inspirou, juntaria uma cola feita de magnésio e concretizaria, camada por camada, os desenhos livres que imaginara.

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Quando viu pela primeira vez a tecnologia das máquinas de produção rápida, Dini ficou fascinado. “Conheci aquele estranho sistema para criar objetos com impressão em 3D e finalmente entendi o que iria fazer na vida: criar uma impressora que fizesse casas inteiras, automaticamente”, relembra.

Protótipo do equipamento ( Foto: Divulgação)

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Não era apenas um sonho. Em 2007, o inventor demonstrou o primeiro protótipo da tecnologia, que usava o mesmo conceito das impressoras 3D para modelar em um material tão duro como a rocha. Tudo começa com um arquivo CAD do projeto, que é interpretado pelo software da D-Shape e recriado, com movimentos sequenciais, pelo cabeçote da impressora.

Hoje, ela consegue gerar estruturas de até 6 metros por 6 metros. O dispositivo criado por ele não usa cimento nem água, apenas areia e uma cola especialmente desenvolvida. Misturados dentro do aparelho, os materiais se transformam naquilo que a imaginação mandar. No final, um objeto inteiro é criado — sem concreto ou estruturas metálicas internas.

“Eu quis renovar o campo da construção, que era uma das poucas áreas que não foram alteradas pela tecnologia de ponta e pela robótica. Apesar de já pensarmos em prédios pré-fabricados, sua construção ainda dependia de tijolos, plantas arquitetônicas, pedreiros e muito cimento. Eu queria que o processo fosse mais fácil, mais como castelos de areia”, diz ele, em entrevista ao Link.

Se arquitetos e designers já usam impressoras 3D para criar maquetes e pequenos objetos de demonstração, aplicar o método na construção real ainda parece distante. Mas alguns deles já trabalham com Dini para levantar as primeiras estruturas saídas da D-Shape.

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O arquiteto Andrea Morgante foi desafiado a criar uma estrutura que testasse as capacidades da máquina. Ele desenhou uma estrutura única, esburacada e em forma de globo, que chamou de Radiolaria (clique aqui para saber detalhes do projeto). Em 2008, a D-Shape imprimiu uma réplica dela de 3m x 3m x 3m em duas semanas. Ainda era um protótipo — o equipamento de hoje consegue imprimir algo assim em algumas horas. Com mais de 10 metros de altura, a escultura final estará pronta ainda neste ano. O prédio ficará na cidade de Pontedera, na Itália.

Dini e Morgante trabalhando no projeto ( Foto: Divulgação)

Dini diz que o processo via D-Shape é quatro vezes mais rápido, mas admite que “o preço para imprimir hoje é muito mais alto que o da concorrência”. “Se você for contar tomates por tomates, ainda estou perdendo. No entanto, minha máquina não produz tomates, mas sim uma fruta muito exótica e rara. A impressora não fará apenas prédios, mas sim estruturas livres, com geometrias muito complexas. Acredito que seremos competitivos, pois certos tipos de construções são impossíveis nos métodos tradicionais. Poderemos criar com total liberdade”.

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A intenção é que a D-Shape possa produzir formas tão mágicas quanto aquelas imaginadas por um de seus ídolos, o catalão Antoni Gaudí. Um de seus maiores projetos com a megaimpressora, inclusive, tem a ver com ele. O inventor quer usar a tecnologia para finalizar a Igreja da Sagrada Família de Barcelona, que está em construção desde 1882. “Já estive lá e mostrei a minha proposta. Agora é uma questão de pressão. É um processo longo de convencimento”, diz.

Mas ainda é pouco. Ele quer sua D-Shape alçando voos mais altos. Tão altos quanto a própria lua. Tanto que trabalha com a Agência Espacial Europeia e com a companhia aeroespacial Alta Space para criar uma megaimpressora que possa ser usada lá.

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Impossível, não é. “O propósito? Talvez seja o destino da humanidade. Estamos pensando nas missões que, em breve, começarão a partir para Marte. A lua é um bom ponto de parada entre esse planeta e o nosso, por isso decidi estudar se o nosso equipamento poderia ajudar na construção de abrigos, usando a poeira lunar para formar estruturas. Mandei um projeto para os engenheiros aeroespaciais e eles acreditaram na minha proposta. Até me adiantaram algum dinheiro para que começasse a tocar o projeto. No momento, estamos trabalhando nisso”, explica. “Temos uma perspectiva muito boa. Logo logo, a produção tradicional vai virar algo pré-histórico”.

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