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Cidades do Canadá criam incentivos para atrair startups brasileiras

Brasil é o país da vez em estratégia que busca atrair com variedade de benefícios novas empresas estrangeiras da área de tecnologia

Por Ligia Aguilhar
Atualização:
 

TORONTO – A pouco mais de seis meses dos Jogos Pan-Americanos, Toronto já é considerada uma das cidades com maior número de guindastes no mundo, diz a lenda local. Mas a competição está longe de ser o único atrativo da região no momento. Na cidade gelada, o ecossistema de startups está cada vez mais quente.

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Toronto é só um reflexo de um movimento que se espalha por toda a província de Ontário, que abriga grande polo tecnológico em conjunto com as cidades de Waterloo e Ottawa, onde já nasceram empresas como Blackberry, Nortel e Open Text. O crescimento do número de novos negócios e a chegada de imigrantes de todos as partes do mundo para trabalhar neles – cerca de 250 mil pessoas ganham residência permanente no Canadá todos os anos, sendo que metade delas estabelece moradia em Toronto – causou um boom imobiliário.

Nesse cenário, o Canadá elegeu no último ano o seu mais novo alvo de interesse: o Brasil. Em setembro, o governo canadense anunciou um programa de intercâmbio de startups com o País. A intenção é abrir os mercados brasileiro e latino para as empresas locais aumentarem a clientela, algo essencial para a sobrevivência dos negócios canadenses. Em contrapartida, oferece casa, comida e roupa lavada na forma de diversos benefícios fiscais e uma ponte de comércio com os EUA para os brasileiros interessados em se mudar para lá.

“Temos um acordo de livre comércio e as trocas comerciais entre Canadá e EUA atingem mais de US$ 700 bilhões por ano”, diz o cônsul comercial de Ontário, Todd Barret. O custo de fazer negócios no Canadá, segundo o Banco Mundial, é 7,2% menor do que nos EUA.

O programa de intercâmbio de startups é uma parceria da aceleradora brasileira Project-1 com as também aceleradoras Canadian Digital Media Network (CDMN), em Toronto, e Communitech, em Waterloo, que são apoiadas pelo governo local. “Vemos o Canadá como o melhor destino para uma startup entrar na América do Norte e ficar pronta para ir aos EUA”, diz Ricardo Sodré, CEO da Project-1.

Quatro empresas brasileiras e cinco canadenses foram selecionadas para participar da primeira fase do programa. Até agora, apenas uma, a Psystems, que está mudando o nome para Acanto, usufruiu dos três meses gratuitos de permanência na aceleradora canadense. Outras duas tiveram passagens rápidas pela aceleradora, com a promessa de voltar no início do ano para uma melhor análise da oportunidade, e uma não conseguiu o visto para entrar no país.

“Aqui tem um talento técnico que não vejo no Brasil”, diz Wallace Santos, cofundador da Acanto, que está determinado a se estabelecer no Canadá. A empresa, que desenvolve uma plataforma de integração de sistemas, está há dez anos no mercado, tem uma equipe de 25 funcionários e faturamento de R$ 2,5 milhões. “Na minha projeção mais pessimista, dobraremos o faturamento aqui”, diz Wallace.

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Do outro lado, o interesse também é grande. O Brasil ainda não é exatamente um destino popular para os empreendedores canadenses, mas o anúncio de uma palestra sobre o programa de intercâmbio com o País atraiu 100 startups para uma aceleradora local recentemente. “Ouvimos falar que o mercado brasileiro é difícil, mas acreditamos que uma vez que as regras sejam compreendidas, teremos muitas oportunidades no País”, diz Megan Gill, gerente de comunicação da startup canadense Eyedro, dona de um sistema que monitora o uso de eletricidade em residências e escritórios que tem interesse em ampliar seu negócio para o Brasil.

 

Estratégia

Esse movimento é resultado de uma série de investimentos feitos pelo governo canadense, que tem injetado grande quantidade de dinheiro para incentivar o desenvolvimento de empresas de tecnologia. Cansado de perder mão de obra para seu vizinho de baixo (EUA), o país se convenceu de que o caminho para se recuperar da crise financeira do início da década seria por meio da migração de uma economia comercial para uma economia baseada no conhecimento e tecnologia.

Além de investir na formação e na oferta de estágios em áreas estratégicas como computação e engenharia, que antes tinham como destino certo o Vale do Silício, o Canadá passou a mirar os talentos de fora e criou programas para facilitar a migração de estrangeiros ao país.

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Entre as benesses do pacote de incentivo canadense está o Startup Visa, um visto para startups que facilita a entrada de novos empreendedores no País pela porta da frente. Para isso, a startup precisa ter o apoio de investidores, uma aceleradora ou incubadora canadense, além de dinheiro para se manter no exterior. O país também oferece uma série de isenções fiscais para empresas de todos os portes, que têm no programa SR&ED (sigla para “programa de incentivo fiscal à pesquisa científica e desenvolvimento experimental”, em tradução literal), o principal expoente.

Pelo programa, empresas de qualquer tamanho que invistam em pesquisa e desenvolvimento recebem entre 25% e 35% dos seus gastos de volta. Calcula-se que para cada US$ 1 gasto em pesquisa e desenvolvimento pelas empresas do Canadá, o governo devolve US$ 0,47 para o empreendedor. Mas não se trata de benefício na forma de abatimento da cobrança de impostos, mas de um cheque emitido pelo governo ao final de 12 meses com um valor a ser aplicado pela empresa no seu negócio como bem entender.

“Sentei com uma pessoa do governo para conversar e, em cinco minutos, US$ 10 mil de investimento que eu fizesse no País poderia virar US$ 1 milhão de investimento do governo por meio de vários programas”, diz Wallace, da Acanto.

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Mas essas vantagens não vêm de graça. Em troca desse pacote, o Canadá exige que o empreendedor se torne cidadão canadense e que a empresa seja majoritariamente controlada por residentes do país. “Não achei nada de errado nas coisas que o governo canadense oferece, mas não posso me iludir. Não faz sentido para uma startup ter um quadro desses (no qual o controle do negócio é de residentes locais). A saída é eu abrir uma filial em vez de uma subsidiária, onde eu terei direito a menos incentivos”, explica Wallace.

O programa de intercâmbio realizado em Toronto, em breve deve ser replicado também em Ottawa, onde um dos setores mais fortes é o de telecomunicações. O diretor gerente de investimento e comério da Invest Ottawa, Blair Patacairk, que esteve no Brasil por seis vezes, está desenvolvendo um modelo semelhante “Queremos aprender como se faz negócios no Brasil e tornar o Canadá um destino ‘top of mind’ para quem pretende expandir para a América do Norte”, diz. “A meta é colocar o programa em funcionamento ate o fim do primeiro semestre do ano que vem.”

* A repórter viajou a convite do governo canadense

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