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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Como trabalhar hoje?

Revolução digital nos tornou reféns do mesmo transtorno: a falta da capacidade de produzir bem em uma era de constantes distrações

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Peter Shankman, um pioneiro da internet que fez dinheiro vendendo uma startup para se tornar investidor de outras tantas, escreve livros. E vive, naturalmente, uma vida digital plena, cercado de redes sociais, smartphones, computador. Quando começou a chegar a data de entrega de seu último trabalho, bateu pânico. Duas semanas restantes e nenhuma linha escrita.

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Pois Shankman não teve dúvida. Comprou passagens de ida e volta para Tóquio na classe executiva, entrou no avião carregando notebook e cabo. Quando chegou ao Japão, tinha escrito cinco capítulos. Levantou-se e esticou as pernas, deixou a área de desembarque e, então, cruzou a porta do aeroporto. Respirou o ar do lado de fora. Aí atravessou a imigração, tomou um café expresso, e embarcou no mesmo avião para a volta. Sentou-se na mesma cadeira. Ao pousar na Califórnia, tinha terminado do capítulo seis ao dez. Um livro pronto, 31 horas.

Quem conta essa história é outro escritor: Cal Newport, doutor em Ciência da Computação, professor titular da mais prestigiosa universidade da capital americana, Georgetown. Newport é um millenial — pertence à turma que, tendo nascido na década de 1980 ou mais recentemente, chegou à idade adulta já no século 21. Ainda assim, mesmo pertencendo à geração de Mark Zuckerberg, mesmo sendo especialista em sistemas digitais, Newport não tem, nem nunca teve, conta em qualquer sistema de mídia social.

Por isso mesmo, seu último livro começa a ficar badalado em certos círculos do Vale do Silício. Chama-se Deep Work (Trabalho Profundo, em tradução livre) e fala de como recuperar a capacidade de produzir bem numa era de constantes distrações.

Shankman, aquele que escreveu um livro no bate-volta San Francisco-Tóquio, sofre do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Seu método para se concentrar, talvez um quê desesperado, foi se trancar num avião porque, lá dentro, não tinha qualquer estímulo externo. É por este motivo que Newport o toma por exemplo, ainda que limítrofe.

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Um dos efeitos imediatos da revolução digital é que todos, de alguma forma, nos tornamos reféns do mesmo transtorno. E isso atrapalha nossa capacidade de trabalhar bem.

O problema, aqui, é a natureza das ferramentas que utilizamos inclusive no escritório. A começar pelo e-mail, e daí para sistemas internos que as empresas utilizam para troca de mensagens rápidas, como Slack ou Google Talk. A expectativa que se cria é de que tudo seja respondido rápido. Some-se os estímulos diretamente ligados ao trabalho com os outros — redes sociais, WhatsApp, sites de entretenimento rápido — e nos vemos, constantemente, sendo interrompidos.

Newport se junta aos críticos desta constante interrupção e defende que é preciso disciplina para romper a barreira. Vai além. Seu argumento principal é que a maneira de se trabalhar de vinte anos atrás era mais eficiente. Não porque se trabalhava mais, mas porque havia maior equilíbrio entre trabalho de qualidade e tempo livre.

Deep Work é um livro de auto-ajuda de um tipo raro. Seu autor não é um guru, mas sim um cientista. Não foi escrito para ser best seller, e suas resenhas saem nos cadernos literários de jornais como o The New York Times e o  The Wall Street Journal.

De certa forma, traz uma mensagem conservadora: Comece a trabalhar às 8h30 e encerre o serviço às 17h. Desligue por longos períodos e-mail, chats, feche o navegador de internet e não navegue. Foque apenas no problema a ser resolvido. E ele alerta: vai ser difícil. Passou das 17h, pare de trabalhar. Mas pare mesmo. 

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Pois é: ainda mais difícil.

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