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Conselho de Combate à Pirataria troca universidades por indústria

USP e FGV perdem vaga conquistada há dois anos; para representantes da academia, notícia foi surpresa de última hora

Por Murilo Roncolato
Atualização:
 

Trator destroi CDs e DVDs piratas no Distrito Federal. FOTO: Estadão

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SÃO PAULO – O Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNPC) substituiu assentos titulares reservados à academia pelo de membros da indústria e do comércio. Universidade de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas perdem a função após a histórica inclusão das entidades há dois anos no grupo baseado no Ministério da Justiça (MJ), pautado por entidades do governo e de instituições ligadas à proteção de propriedade intelectual.

Além de USP e FGV, sai também a União Brasileira de Vídeo e Games. Em seus lugares, entram a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Associação Brasileira Empresas Software (Abes).

“É natural o rodízio”, diz Flávio Caetano, presidente do Conselho, pelo MJ, e secretário de Reforme do Judiciário. “Estamos em atividade com o 3º Plano Nacional de Combate à Pirataria e sentimos necessidade de essas entidades voltarem. Faz falta a participação mais ativa da indústria e comércio”, opina Caetano, que ocupa o cargo no Conselho há menos de um ano.

Para Pedro Mizukami, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e titular da cadeira da instituição, o rodízio era esperado, mas foi surpresa não manter a participação setorial (da academia).

“Não é preciso que sejam USP e FGV, mas é importante que alguém da academia ou da sociedade civil não comercial ocupe essas vagas. Achei muito estranha a decisão de não mantê-las” diz. Sobre a escolha dos novos membros, Mizukami vê retrocesso e infração no regimento. “Quem é o ‘Conselho’ que viu essa ‘necessidade’?

Nós fazíamos parte do Conselho e nunca fomos consultados quanto a possíveis nomes para a nova composição”, diz. “O regimento prevê no art. 2º que o Ministro da Justiça deve escolher os representantes da sociedade civil ‘após indicação de entidades, organizações ou associações civis reconhecidas’. Curioso é que na gestão de Paulo Abrão (2012) foi aberta uma chamada pública para a seleção dos novos membros.”

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Em 2012, a Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA), uma frente composta por todas as entidades de produção e entretenimento interessadas na defesa de direitos autorais, chamou atenção para a mudança do Conselho no Brasil e pediu “monitoramento” das suas atividades. Em 2014, a Aliança afirmou que as ações do grupo ajudaram a dirimir tais “dúvidas”, mas manteve no Brasil na sua lista de atenção.

O presidente Flávio Caetano diz que, assim como o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, “não há razão para tirarmos a academia”. “Todos os membros do conselho querem que eles continuem como colaboradores, queremos aumentar as vagas também. Não se constrói política pública sem diálogo”, afirma.

O CNCP foi criado em 2004 acatando sugestão da CPI da Pirataria – que encerrou seus trabalhos denunciando mais de 100 pessoas e indiciando 55 fraudadores, resultando também na prisão do chinês Law Kin Chong – de um “órgão público de inteligência para articulação e implantação de políticas públicas de combate à pirataria”.

“No CNPC, ele coordenam as ações das forças repressivas do Estado”, diz o professor Pablo Ortellado, titular da cadeira reservada à USP. “Quando o Conselho foi renovado em 2012 e a universidade incorporada, a ideia era transformá-lo não em um fórum pautado pelo setor privado, que por sua vez pautaria a Polícia, mas em um lugar onde se pudesse pensar a pirataria por uma perspectiva de política pública, para não tratá-la por um viés exclusivamente repressivo.”

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As ações dos titulares da academia, segundo Ortellado, foram então a de usar números de pirataria “confiáveis e não vindos da indústria”. “Mudamos a metodologia para termos uma dimensão real do problema e colocamos a questão do preço dos bens culturais em discussão.”

O presidente Flávio Caetano defende que o Conselho tem diminuído as ações repressivas. Como exemplo, cita o 3º Plano, publicado oficialmente em maio do ano passado, composto por 19 projetos, sendo oito voltados para educação (com o objetivo de conscientizar a população sobre a pirataria), sete repressivos, e quatro de caráter econômico.

ComposiçãoComo está, o CNCP passa a ter suas 18 vagas ocupadas pelo governo, com 12 cadeiras; e por entidades ou associações com membros da indústria, com seis.

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Além da Confederação Nacional da Indústria (representada por Diana Jungmann), Confederação Nacional do Comércio (Tatiana de Fátima Machado Abranches) e Abes (Antonio Eduardo Mendes da Silva), o CNPC continua com sua composição original, com membros do Ministério da Justiça; Ministério da Fazenda; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Receita Federal; Ministério da Cultura; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério do Trabalho; Polícia Federal; Polícia Rodoviária; Câmara dos Deputados; Senado Federal; Secretaria Nacional de Segurança Pública; Associação da Indústria Farmacêutica (Interfarma); Fórum Nacional de Combate à Pirataria; Ética Concorrencial (ETCO, instituição composta por membros da indústria de refrigerante, cerveja, combustível, remédios e a Microsoft; com dois assentos).

“É uma guerra” Para o diretor jurídico da Abes, Manoel dos Santos, o combate à pirataria deve ser encarado “como uma guerra”. “Na minha análise, como é um conselho voltado para o ‘combate’ é natural que o volume maior de ações seja nessa direção. Pirataria é crime, temos que agir como se fosse uma guerra. Agora acho que há um foco muito forte na questão educativa, mas elas só geram resultados a longo prazo.”

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“Levamos 25 anos para reduzir a pirataria de software de 91% para 53% (em 2011), desde que a Abes foi fundada. Se a educação for a ação mais forte, vamos levar outros 20% pra continuar baixando esse número,” acredita.

Para o diretor da associação de software, a repressão serve como educação. “Quando o cidadão vê que o Bope subiu o morro e reprimiu o tráfico, eu entendo que o tráfico é crime, não é?”. Para a entidade, não há problema em haver menos projetos voltados para repressão, desde que sejam “bem executadas”. “Temos a responsabilidade com nossos afiliados de acompanhar essas ações, entende?”

Santos não vê a saída da USP e da FGV como um problema, já que eles podem continuar com colaboradores. “Eles só não têm mais poder de voto”, diz. Por fim, disse que o Conselho precisa de entidades que possam comparecer. “O representante da USP disse que não conseguia estar em todos os eventos do Conselho porque não havia dinheiro disponibilizado pela universidade, você acredita?”. “Como uma entidade pode fazer parte de um conselho em Brasília se não pode ir até lá?”

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