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Por dentro da rede

Opinião|Cuidado com o que pedimos...

O correto é permitir a liberdade, mas caso aconteça excessos, que a pessoa seja responsabilizada

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Atualização:
Na rede formam-se 'clubes', baseados em modelos de negócio, que visam a facilitar, ainda mais, a disseminação do que é dito Foto: Giulia Marchi/NYT

Georges Bernanos, um francês que acabara de passar 7 anos no Brasil, escreveu em 1945 “A França contra os Robôs”. Além de discutir assuntos do pós-guerra, é também um apelo a favor da liberdade, e antecipa situações que hoje nos parecem familiares: Bernanos alerta “...o problema não está nas máquinas”, mas “no número crescente de homens habituados desde a infância a desejar apenas o que as máquinas lhes podem dar”. Sobre liberdade, diz: “Não se trata de saber se essa liberdade torna os homens felizes, nem mesmo se os torna morais. Não se trata de saber se ela favorece mais o mal que o bem... Basta-me que ela torne o homem mais homem, mais digno de sua perigosa vocação de homem...”, “um mundo ganho para a técnica está perdido para a liberdade”. Orwell, na Revolução dos Bichos, define: “se liberdade significa algo, será sobretudo o direito de dizer aos outros o que eles não querem ouvir”. A internet levou essa possibilidade ao extremo. 

Se entendermos a rede como um meio, ela agiria como um transmissor passivo do que “falamos”. Aliás, os sons são ondas mecânicas de pressão num meio específico, o ar – nada se ouve no vácuo. Ninguém acharia razoável culpar o “ar” pelas bobagens que eventualmente ouvimos e assim, em princípio, também não se deveria responsabilizar a internet pelo que nela circula. Surgem, entretanto alguns complicadores: no “ar” da internet existem “microfones” e “alto-falantes” que podem captar o que falamos e o repassá-lo a destinos muito além do que se pretendia atingir. E na rede formam-se “clubes”, baseados em modelos de negócio, que visam a facilitar, ainda mais, a disseminação do que é dito. A dinâmica da internet fará com que uma iniciativa modesta, mas que tenha caído no gosto dos internautas, em poucos anos transforme-se num império poderoso, graças às informações que amealhou de seus associados e que redistribui fartamente. Quanto aos nossos dados, espera-se que um “clube” sério exponha claramente o que com eles pretende fazer, e (alvíssaras!) temos hoje uma lei específica para isso no Brasil. Mas, e quanto ao que circula na internet facilitado pela ação dos “clubes”? O dilema persiste: qual o papel atribuível ao viabilizador do processo de interação? Ao modo do correio e do papel, parece-me claro que o simples fato de serem portadores de eventuais informações incorretas, nefastas ou ofensivas não os fará terem responsabilidades sobre isso. Diferentemente, num meio “editado” como os jornais, quando se publica algo falso denegridor haverá minimamente uma retratação. Isso aplicaria às redes sociais e suas ferramentas? Se agem como “um meio”, estariam isentas de responsabilidade. Por outro lado, se tem poder editorial, se são ativas, a coisa pode mudar de figura. Penso que o correto é sempre permitir a liberdade de todos e, caso alguém se exceda, que seja individualmente responsabilizado pelo seu ato. Querer fazer de uma ferramenta um Catão da moral e da verdade, pode ser um sério tiro pela culatra. Clamar por esse tipo de ação pode significar que estamos dando a elas um poder ainda maior e mais perigoso. Oscar Wilde já havia alertado “...quando os deuses querem nos castigar, atendem aos nossos pedidos”.

Opinião por Demi Getschko
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