Há um tempo li algo que me gerou sensações diversas e misturadas. Li em jornal reputado (e repasso sem confirmação adicional definitiva) que na Inglaterra uma mulher recebeu compras que ela não teria feito. Alguém, passando-se por ela, teria comprado “caixas para presente”, que foram devidamente entregues pela loja, e cobradas.
A pesquisa do ocorrido levou à constatação de que na compra, feita via internet, foi usado um assistente de voz da própria companhia vendedora. Nenhum dos familiares da mulher teria sido o gerador do pedido e, dado que a voz de quem fez o pedido era a da senhora em questão, restou uma explicação bizarra: foi o papagaio cinza do Congo, espécie muito faladora e esperta e que imitava à perfeição a voz da dona. O tal papagaio teria ativado acidentalmente o assistente de voz e, do improvável diálogo originou-se a ordem de compra.
O lado positivo óbvio é a facilidade que os assistentes artificiais caseiros podem adicionar ao nosso dia a dia, com o avanço da intelecção de voz. Do lado negativo, além de constatar que um dado biométrico – a voz – foi erradamente identificado como sendo de uma pessoa, há a forma com que uma transação é debitada, sem maiores considerações.
O outro caso, em linha aparentemente oposta. Um amigo adquiriu um desses psitacídeos personagens de piadas, e perguntei se o papagaio era “ele” ou “ela”. Disse-me que o chama de “o”, mas apenas um teste de DNA resolveria: visualmente não se consegue identificar o sexo.
Nós, os humanos, precisamos de auxílio de alta tecnologia para saber se devemos nos referir à ave como “louro” ou “loura”. Já um papagaio comum, simples, saberá imediatamente se está diante de uma moçoila papagaia, ou de um mocinho, e sem fazer nenhum teste de DNA... Certamente há espaço aqui para a ajuda com sistemas automatizados...
Por outro lado, quando se trata de separar pintinhos que virarão galinhas dos que, futuros frangos, apenas enriquecerão nosso almoço, há humanos que conseguem, e com bastante eficiência. Para mim, é um mistério...
O caso do “papagaio comprador” lembrou-me da discussão sobre “notícias falsas”. O que li e repassei seria notícia falsa? Falsa ou verdadeira, pareceu-me interessante! “Se non è vero, è bem trovato”, diriam os italianos. Muitas vezes o que é verossímil ou agradável ao narrador (ou ao vendedor...) segue como verdade. É uma tendência humana, que a internet apenas potencializa.
Em 1819, John Keats, poeta romântico inglês, escreveu aos 23 anos um famoso poema, Ode a uma Urna Grega, cujo belo fecho diz: “Beleza é verdade, verdade é beleza, eis tudo que sabemos, e tudo o que se precisa saber!”. Keats, assim, responde esteticamente à terrível e eterna questão “afinal, o que é a verdade?”: se algo é belo (nos agrada, ou convém), é verdadeiro... Não é a minha forma de pensar: como engenheiro, gosto de fatos. Há que se reconhecer a atração epicurista e romântica que a beleza tem, de vestir a versão com a roupa da verdade. Afinal estamos em tempos pós-modernos, e o “eu sinto” será mais valorizado do que “os fatos mostram”...
Ah, em tempo, Keats morreu com 25 anos. Pelos padrões atuais da ONU, estaria ainda no fim da adolescência...