Analisar os impactos da internet no que fazemos em nosso dia a dia já é um objetivo bastante ousado e quase inatingível, mas avaliar como ela tem afetado nosso comportamento social é ainda mais desafiador.
Antes, é preciso distinguir entre a internet em si: uma infraestrutura aberta, sem limites físicos, que chama todos a uma conexão e provê um acesso absolutamente ilimitado a informações de todo tipo, passando um vasto elenco de futilidades; das construções que crescem sobre ela. Essas construções, que também respondem pelo nome de “plataformas”, valem-se do princípio de “livre inovação” (que deve ser preservado!) e podem evoluir para empresas com grande concentração de poder econômico e social, escorado especialmente na forte fidelização de seus usuários.
Essa estratégia de intenso engajamento é operacionalizada pela aquisição de vasto conhecimento dos dados e características dos usuários. É a chamada “economia da atenção”, quando manter o usuário constantemente conectado, e sempre usando os serviços da plataforma, traz mais retorno econômico a ela.
A forma de atenuar esse controle poderia residir numa conscientização, associada a leis de proteção de nossos dados, como a que temos no Brasil. Mas é fato que o “canto da sereia” do conforto, da facilidade e do prazer emocional recebidos pelos usuários reduz qualquer postura mais crítica.
Das alternativas que restam para se atenuar essa dominância, ouvem-se cada vez mais frequentemente as que provêm de regimes fortes. Aliás, desses mesmos que muitas vezes praticam controle estreito e uma coleta desmedida de dados de seus cidadãos. Como achar soluções de equilíbrio que possam ser implementadas com algum sucesso em prazos razoáveis? O risco de ir “da frigideira ao fogo” é grande.
O caráter livre e aberto da rede pode ter afetado o comportamento em comunidade: a definição de “tolerância” vem sendo revisitada. Na web, pode-se reencontrar algumas das músicas irreverentes que despreocupadamente se cantavam na universidade. Achá-las é ainda possível, mas seria admissível cantá-las?
O comportamento jocoso dos anos 70 hoje poderia ser rotulado de “inaceitável”. Folheie-se A Serpente Encantadora, livro do Telmo Martino: é uma “janela no tempo” com crônicas da época do Jornal da Tarde. Telmo, além de mente afiada, era dotado de uma língua ferina e tratava todos e tudo, poupando pouquíssimos. Seria Telmo ainda possível hoje, em plena “cultura do cancelamento”, ou seguimos empobrecendo a olhos vistos?