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Em busca de uma moeda única para a internet

Amir Taaki é um dos principais apoiadores do projeto Bitcoin, uma moeda digital cheia de controvérsia

Por Redação Link
Atualização:

Amir Taaki é um dos principais apoiadores do projeto Bitcoin, uma moeda digital cheia de controvérsia 

 

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Roberto AlmeidaEspecial para o Estado

LONDRES – Amir Taaki, 24 anos, é uma pilha de nervos. Seu jeitão anárquico entra em conflito com a responsabilidade de organizar a Conferência Bitcoin 2012, que ocorreu nos dias 15 e 16 de setembro em Londres. Foi o primeiro evento para discutir os temas que envolvem a moeda digital que surgiu de um experimento na internet em 2009.

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Taaki não tem nem celular: pegou o telefone emprestado da mãe. E na conferência não havia roteiro pronto, então a regra era não ter regra, é claro. No discurso de abertura, Taaki recomendou apenas que o experimento continue.

“Mesmo com suas falas grandiosas, não são os políticos que estão ajudando os mais pobres, e sim os humildes hackers e cientistas diligentes”, declamou ele, com um capricho na escolha das palavras que expõe o seu tom profético. “A rebeldia tecnológica trouxe conhecimento aos mais pobres. A tecnologia está erodindo as estruturas clássicas de autoridade.”

Propagador e colaborador do Bitcoin, Taaki flerta há anos com o ativismo. Quando ainda estudava em Kent, no sudeste da Inglaterra, chegou a ser proibido de chegar perto de um computador da escola. Andava destruindo os sistemas e rindo à toa, mas sem objetivo. Perdeu o fio da meada, começou a programar games e se deu mal.

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Quando lhe restavam 500 libras esterlinas (cerca de R$ 1,5 mil), tentou se tornar jogador profissional de pôquer online e, de novo, perdeu o fôlego. Foi quando Melvin Carvalho, do W3C, lhe enviou um link do projeto Bitcoin. Taaki analisou o código-fonte do experimento e se interessou pelo sistema de pagamentos. “Quando o quebra-cabeças estava montado, eu pensei: p***, isso é incrível!”, disse ao Link.

A excitação levou-o a torrar os últimos trocados para comer e dormir em um prédio ocupado em Londres. Foi ali que, no início de 2011, preparou a primeira apresentação do Bitcoin para o público europeu, durante a conferência da Associação Europeia de Consultoria em Pagamentos (EPCA, em inglês), em Amsterdã, na Holanda. Chamou a atenção de empresários e o negócio se desenvolveu rapidamente.

Hoje, as transações financeiras P2P (de pessoa a pessoa) de “bitcoins” alimentam doações, por exemplo, ao Wikileaks e à Free Software Foundation, com a vantagem de não serem rastreadas.

Estima-se que haja cerca de US$ 130 milhões em bitcoins hoje, mas as fortes flutuações do câmbio da criptomoeda (o nome é referência à criptografia usada no seu funcionamento) geram desconfiança. O sistema sofreu um ataque no ano passado que derrubou as cotações vertiginosamente, mostrando que o caminho ainda não está pavimentado.

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Futuro. O sonho, Taaki deixa explícito. Ele imagina que daqui a cem anos o Bitcoin, ou algo parecido, com outro nome ou outra estrutura, possa formar a base de uma rede monetária globalizada, de Washington a Teerã, sem taxas nem intermediários. Nas palavras dele, esta rede estaria em uma verdadeira coesão universal: “Um mundo em plena união econômica. Um mundo definido pela integração, cooperação e colaboração.”

Utopias à parte, a pergunta essencial é: como perverter de fato o sistema financeiro? A resposta, para Taaki, passa por essa moeda digital descentralizada, que entre altos e baixos já driblou bandeiras de cartão de crédito.

Uma criptomoeda alternativa pode, quem sabe, ser criada com base no Bitcoin em um futuro não tão distante. “O desenvolvimento de uma moeda multidimensional ou puramente contratual está dentro das nossas possibilidades reais”, sublinha.

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Apesar do evidente tempero sonhador, os pés estão firmes no chão. O Bitcoin ainda passa por uma conturbada infância e nem chega a fazer cócegas no poder dos bancos mesmo com os diversos escândalos que assolam o sistema financeiro desde 2008. Wall Street e a City of London, regiões que concentram essa força, dependem de comportamentos arraigados na sociedade. Taaki assenta e baixa o tom.

“Uma tecnologia não pode se basear em idealismo – apesar de eu ser bastante idealista. O fato é que o sucesso de qualquer tecnologia não depende apenas dela mesma. Depende de sua aceitação por parte da sociedade”, disse. “As pessoas trocam liberdade por conveniência e remar contra essa corrente é difícil.”

Apesar dos problemas, é inegável que o sistema do Bitcoin cresceu em infraestrutura e número de usuários. A conferência londrina reuniu colaboradores e curiosos, que se divertiriam depois em uma festa com mixagem de músicas de games. No horizonte, uma eventual quebra de paradigma. No presente, algumas frustrações.

“Os bancos não são mais confiáveis”, reclamou Taaki. “Minha conta ficou congelada por um erro interno dias antes do evento. O dinheiro serviria para pagar o aluguel do hotel que sediou a conferência”, explicou, nervoso com a situação. Mesmo dizendo que nunca mais quer organizar eventos, ele sorri. Porque o que mais ele quer é organizar o próximo.

Encontro de Amigos 

A Conferência Bitcoin 2012 foi um grande encontro de amigos. Começou e terminou anárquica, sem documento final ou tese a defender.

Palestrantes se revezaram apresentando os benefícios da moeda durante dois dias (15 e 16/9) em um hotel em Londres, tentando engajar o maior número possível de ativistas, que estavam ali para aprender. Mesmo com o esforço, o Bitcoin ainda é criticado pelo uso pouco ortodoxo da moeda e pelos problemas de segurança. Como os pagamentos estão fora do sistema financeiro, o projeto foi acusado de abrigar traficantes de drogas. Para Taaki, a tecnologia é neutra e tem “enorme potencial para o bem da sociedade”.

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“Culpar esse novo sistema monetário é tirar a culpa de quem causou o problema. Não criminalizamos a internet porque uma minoria ocupa becos escuros e pratica atos sombrios”, disse. / R.A.

De rede utópica a alvos de ataque  

Origem - A origem do Bitcoin se dá em 2009 e é atribuída a um usuário desconhecido, cujo pseudônimo é Satoshi Nakamoto

Transações - A troca de bitcoins é feita de pessoa a pessoa por um programa disponível na internet. Cada computador recebe um código de identificação

Carteira - O programa funciona como uma carteira virtual. Mas para acumular bitcoins é preciso receber valores na moeda ou comprá-la em sites de câmbio

Criptografia - As transações são codificadas com uma identificação única para proteção dos usuários e registradas na rede de bitcoins. Não é possível revertê-las

Problemas –Diversos sites que negociam bitcoins têm sido alvo de ataques desde o ano passado. Usuários perderam dinheiro e a cotação despencou

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—-Leia mais:Link no papel – 01/10/12

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