Encerrando a 'polêmica' sobre a Apple

Fico pasmo com as hipóteses conspiratórias que as pessoas são capazes de bolar

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Por Redação Link
Atualização:

Bem, o chamado Locationgate parece ter chegado ao fim, independentemente do seu impacto positivo ou negativo.

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Como devem se lembrar, na semana passada uma dupla de pesquisadores disse ter encontrado um arquivo secreto no backup que cada iPhone e cada iPad com conexão à rede celular fazem no disco rígido do computador. De acordo com eles, este arquivo continha uma lista, organizada cronologicamente, de todos os locais por onde o usuário passou com seu aparelho desde junho (ou seja quando for que o proprietário tenha instalado o iOS 4).

Os dois disseram que não havia indícios de que esta informação seja retransmitida para a Apple, nem para o governo e nem para a Comissão Warren; ela simplesmente estava no disco rígido do usuário, e só poderia ser acessada por meio de comandos da linguagem Unix (ou recorrendo-se a um aplicativo desenvolvido pelos pesquisadores em questão). Mas, ainda assim, os teóricos da conspiração mergulharam na histeria.

Na quinta feira a Apple respondeu com um pronunciamento explicando a presença do arquivo. “A Apple não rastreia a localização do seu iPhone”, disse a empresa. “A Apple nunca fez nada do tipo e nem tem planos de fazer algo assim no futuro.”

O pronunciamento afirma ainda: “O iPhone não está rastreando a localização do usuário. Em vez disso, está compilando um banco de dados com a localização de pontos de acesso à rede Wi-Fi e de torres de celulares próximos ao local em que o proprietário se encontra, localizações estas que podem estar a mais de 150 quilômetros do iPhone, e o objetivo disto é ajudar o aparelho a calcular com rapidez e precisão sua própria localização quando solicitado. Calcular a localização de um iPhone usando apenas os dados transmitidos pelo satélite GPS é uma tarefa que pode levar vários minutos para ser concluída. O iPhone pode reduzir este intervalo a poucos segundos usando os dados da localização de pontos de acesso Wi-Fi e torres de celulares para encontrar rapidamente os satélites GPS, e até triangular a própria localização usando apenas os dados relativos aos pontos Wi-Fi e às torres de celulares quando os dados do GPS não estão disponíveis (como nos ambientes internos e nos porões, por exemplo). Estes cálculos são realizados em tempo real no iPhone por meio do uso de um banco de dados comum formado pelas listas de pontos Wi-Fi e torres de celulares compiladas por dezenas de milhões de iPhones que enviam à Apple os marcos geográficos da localização de cada ponto de acesso Wi-Fi e cada torre de celular das imediações sob forma anônima e criptografada”.

Com isto, a Apple está dizendo basicamente que os pesquisadores estavam errados em ambos os casos. Primeiro, o “arquivo secreto” contém informações sobre pontos de acesso Wi-Fi e torres de celulares localizados nas imediações do usuário, e não sua localização precisa.

Segundo, o dispositivo de fato envia informações à Apple, embora o faça de modo anônimo e criptografado. Ora, é verdade que parte da resposta da Apple soa pouco convincente.

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Está bem, o arquivo traz a localização de pontos de acesso Wi-Fi e torres de celulares — localizados perto do usuário. Assim, parece que o iPhone não chega a determinar qual foi o banco em que o usuário se sentou no parque. Mas o aparelho rastreia a cidade em que o usuário se encontrava, e portando mantém um registro de nossas viagens.

Na semana passada, com base nas informações disponíveis até então, escrevi um post dizendo não achar que o caso fosse merecedor de tanto alarde. Em primeiro lugar, o próprio usuário é a única pessoa com acesso ao seu backup do iTunes, e é de se esperar que ele já saiba dos lugares onde esteve. Em segundo, há atualmente incontáveis maneiras piores de se comprometer a privacidade de um usuário, e algumas delas são muito mais urgentes do que este episódio. (Como é possível, por exemplo, que ninguém esteja histérico por causa dos 77 milhões de nomes, endereços de e-mail, senhas e possivelmente até números de cartão de crédito que a Sony diz terem sido recentemente roubados do banco de dados de sua PlayStation Network?)

Sempre fico pasmo com as hipóteses que as pessoas dotadas do Gene da Conspiração são capazes de bolar. Dúzias de leitores escreveram a mim para dizer, “Antes de fazer pouco de nossas preocupações com a privacidade, imagine o estrago que este tipo de informação causaria nas mãos de um ex-cônjuge enfurecido”.

Trata-se de uma proposição totalmente ilógica. Em primeiro lugar, como um ex-marido pode se beneficiar ao saber onde você esteve antes da última vez em que fez um backup no iTunes? Ele não pode voltar no tempo até o mês passado e tentar interpelá-la num local supostamente suspeito relacionado na tal lista.

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Mais importante: para descobrir onde você esteve, seu/sua ex teria de estar na sua casa, usando o seu computador. E sinceramente: se um/uma ex destemperado/a está dentro da sua casa, usando seu computador, você tem problemas muito maiores do que o backup do seu iTunes. Você não precisa de um smartphone diferente, e sim de um chaveiro.

Seja como for, a questão toda já perdeu a relevância. Numa atualização do seu software a ser lançada nas próximas semanas, a Apple vai a) parar de manter no computador do usuário um backup do banco de dados das localizações onde ele esteve, b) armazenar informações de localização relativas apenas a um período equivalente a uma semana e c) parar de armazenar informações sobre a localização de pontos de acesso Wi-Fi e torres de celulares se o usuário desativar os Serviços de Localização.

(“O motivo pelo qual o iPhone armazena tantos dados é uma falha que descobrimos e que planejamos corrigir em breve”, diz a Apple, sem inspirar muita confiança. “Não achamos que o iPhone precise armazenar mais do que os dados referentes aos últimos sete dias de uso.” Pode-se ler mais sobre a resposta da empresa, incluindo uma entrevista do New York Times com Steve Jobs, neste endereço.)

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Além disso, na próxima atualização do iOS a lista de localizações passará a ser criptografada no próprio telefone. É interessante notar que a Apple aproveitou a oportunidade para realizar um ataque preventivo. A empresa revelou outra informação que é rastreada pelo iPhone: dados sobre a intensidade do tráfego (provavelmente ao acompanhar a velocidade de deslocamento dos iPhones nas ruas e avenidas). “A Apple está agora reunindo dados anônimos sobre o trânsito para criar um banco de dados a partir das informações da comunidade com o objetivo de proporcionar ao iPhone um serviço aprimorado de acompanhamento do tráfego nos próximos dois anos.” Seria mesmo um recurso muito bem-vindo.

Esta é a segunda vez que a Apple se vê metida até o pescoço num escândalo de relações públicas e joga a culpa do problema numa falha de software. Lembram-se da questão das chamadas que eram encerradas involuntariamente no iPhone 4, cujo indicador de intensidade do sinal recuava até o zero se a mão do usuário cobrisse o canto esquerdo inferior do aparelho? E de como a Apple disse que o problema estava, em parte, numa falha na maneira com a qual o telefone calculava a intensidade do sinal que seria exibida no indicador na tela?

Em ambos os casos, a Apple não procurou se desculpar, mas ao menos agiu rapidamente para corrigir o problema por meio de uma atualização do seu software. Neste caso, ao menos, os consultores de segurança parecem ter ficado satisfeitos. Aparentemente, o Locationgate chegou ao fim.

Muito bem. Falemos agora dos números de cartão de crédito possivelmente roubados da PlayStation Network…

* Texto originalmente publicado em 28/04/2011.

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