Enfatize ESTE trecho; e não AQUELE

Outro dia, numa livraria de aeroporto, reparei na capa de um livro de James Patterson intitulado PRIVATE (games), ou (jogos) ÍNTIMOS. “Que ênfase estranha”, pensei. “Um simples Jogos Íntimos seria menos estranho.”

PUBLICIDADE

Por Redação Link
Atualização:

OK, o efeito de ênfase não foi realmente criado pelos parênteses e pelas maiúsculas da maneira como o retratei. Mas este mesmo efeito foi obtido por meio do emprego de outro método: o corpo das letras. Na capa do livro, a palavra PRIVATE (ÍNTIMOS) é três vezes maior do que a palavra GAMES (JOGOS) abaixo dela.

PUBLICIDADE

A flexibilidade tipográfica é uma bênção da era digital. Graças aos softwares de editoração eletrônica, os designers podem trabalhar com qualquer fonte em qualquer corpo. Isto possibilita que as fontes sejam usadas mais facilmente como elemento gráfico.

Mas a fonte continua sendo um elemento textual. Assim, quando lemos PRIVATE (ÍNTIMOS) em letras garrafais, e GAMES (JOGOS) em letras bem menores, o que lemos é PRIVATE (games), ou (jogos) ÍNTIMOS. Há anos, a Consumer Reports publica uma simpática seção na sua contracapa chamada Selling It (Vende-se).

Nela são mostrados erros de digitação, pérolas da propaganda enganosa e contradições hilárias presentes nas embalagens contemporâneas – por exemplo, 100% CARNE DE CARANGUEJO (feita de soja com aromatizantes). Mas, até passar por uma recente reforma visual, o logotipo da seção trazia o termo “Vende-” e o termo “se” dispostos um acima do outro, com o mesmo comprimento. Aquilo dava a impressão de ser lido como “vende-**SE!***” Por muito tempo, tentei entender o motivo pelo qual alguém colocaria a ênfase no segundo termo em vez do primeiro. Dizemos “VENDE-se”, e não “vende-SE”.

Outro dia, meu filho comentou a respeito de um comercial de TV mostrando um novo programa chamado Once (“era”), no qual todos os personagens de uma determinada vila são – sem sabê-lo – tirados de contos de fada. Mais tarde, tentei descobrir do que se tratava. Percebi que o nome do programa era na verdade Once Upon a Time (Era uma vez).

Por que, então, meu filho pensou que o nome fosse apenas Once (“era”)? É isso mesmo: por causa do corpo das letras. O logotipo do programa consiste numa enorme palavra Once (“era”), com letrinhas menores compondo Upon a Time (“uma vez”) de modo a fazer com que o complemento se encaixe dentro do C e do E. Por mais que reparássemos nas outras palavras, o cérebro registraria algo como ONCE (upon a time), ou ERA (uma vez), o que não faz sentido nenhum.

Eis outro exemplo: um livro que parece se chamar Gross Psychology (Psicologia Tosca). Na verdade, seria GROSS Psychology (Psicologia TOSCA). Ora, trata-se de um livro escrito por Richard Gross, intitulado simplesmente Psychology. Mas o corpo das fontes foi manipulado a tal ponto que parece alterar não apenas a ênfase do título, como também o título em si.

Publicidade

Eu sei, eu sei… Logotipos que ignoram o efeito provocado pela manipulação do corpo da fonte na ênfase comunicativa não estão entre os maiores problemas enfrentados pela sociedade atualmente. Só achei que os designers gráficos do mundo poderiam aproveitar a sugestão de um fã.

* Publicado originalmente em 5/3/2012.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.