ENTREVISTA DE DOMINGO - Juca Ferreira; ministro da Cultura

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Por Rodrigo Martins
Atualização:

‘Uma coisa é consumir, outra é produzir’

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Ministro da Cultura, Juca Ferreira defende que cultura digital é tudo tudo o que se produz na rede, mesmo o contato interpessoal em blogs, por exemplo, já é cultura pelo simples fato de as pessoas se expressarem.

Na entrevista abaixo, o ministro comenta os investimentos que estão sendo feitos na área, como os pontos de cultura, aponta a decadência da TV e o crescimento da web como local para consumir, por exemplo, filmes e diz que, embora o brasileiro bata recordes em tempo de conexão, é ainda mais consumista do que produtor na rede. Ferreira também comenta a digitalização do acervo da Cinemateca Brasileira, projeto lançado na semana passada em Brasília.

O Ministério está investindo na digitalização de outros acervos? Temos estimulado que acervos públicos e privados se digitalizem, não só pela perenidade desses acervos, mas pela universalização de acesso. Por exemplo, desde o início estamos associados à USP na digitalização da Brasiliana, não só pela Lei Rouanet, mas colocando as estatais federais a serviço dessa digitalização. E a Biblioteca Nacional também está digitalizando seu acervo. E há outros. A política do ministério é digitalizar para permitir a universalização do acesso.

Há algum projeto de digitalização a ser anunciado em breve? Estamos trabalhando não só com digitalização de acervos. Nos pontos de cultura disponibilizamos computadores e treinamentos não só para a informação das comunidades e dos ativistas culturais, mas para permitir que eles saiam dos guetos e levem seus trabalhos culturais para locais onde não chegariam.

Como as pessoas produzem cultura nesses pontos? Constatamos que as pessoas fazem cultura independente da condição cultural em que vivem. Até como uma estratégia de sobrevivência, de afirmação, as comunidades brasileiras usaram a arte como construção de cidadania, de identidade, sentimento de pertencimento. São mais de 100 mil grupos culturais nas periferias das grandes cidades, de todas as cidades brasileiras, assentamentos, regiões metropolitanas. Já passamos de 2 mil pontos de cultura feitos com estados e municípios. Queremos chegar até 20 mil no fim do governo. Queremos ampliar cada vez mais, pois é uma rede de produção cultural com significado social muito grande. Tem capoeira, dança.

O que o senhor entende por cultura digital? Cultura digital é toda uma emergência cultural de produção de conteúdo, de signos, na rede que tem na tecnologia digital sua base, seu meio e sua via de expressão, de comunicação e de recebimento de informação.

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Isso pode ser desde a publicação de uma música na internet até um blog? Tudo o que se produz na rede é cultura digital. Eu diria que o contato interpessoal faz parte de uma cultura digital. Através desses contatos interpessoais, as pessoas vão readquirindo o hábito de ler, de escrever, mesmo que com a grafia específica que está na moda nessas infovias. Elas estão aprendendo a se expressar, estão construindo a sua identidade através desses perfis individuais, estão dialogando para além da vizinhança, constituindo diálogos, recebendo informações. Olha o que aconteceu esta semana no Irã, para além dos interesses políticos, a comunidade está buscando parceiros em outras partes do mundo de forma política e cultural. Tudo isso faz parte de um mundo e que não haverá mais retrocesso.

Por que a cultura digital é importante para a democracia? É decisiva. Primeiro, não só os governos como a grande imprensa, como todos os sistemas fundamentais para a vida social perdem o monopólio para a comunidade do diálogo direto, sem controle, quase vivendo uma condição de liberdade absoluta.

Nesse sentido, os pontos de cultura são o maior investimento do Ministério no assunto? Mas estamos estimulando o governo a disponibilizar banda larga grátis no Brasil inteiro, conectando as escolas, criando a possibilidade de cada vez mais as infovias serem cada vez mais o principal meio de comunicação, de trânsito de signos. Hoje há uma decadência no mundo inteiro da TV aberta. As pessoas não querem mais acompanhar uma programação que os outros fizeram, querem montar a sua própria programação. Se nós formos capazes de gerar uma grande produção audiovisual e disponibilizá-la por bancos virtuais de conteúdo, teremos uma multiplicação de acessos, de informação. Aumentando o trânsito de informações. Lógico, ainda há o problema da inclusão digital. Precisamos disponibilizar inclusão para todos os brasileiros.

E não pode ser pelo celular? Eu particularmente não gosto da tela do celular. Só em condições muito especiais. Você está no ônibus e o Brasil está na final da Copa, aí até que seja na cabeça de um alfinete é bom assistir. Mas a tela do celular é pequena. Seria melhor assistir em casa, no trabalho, com um computador com a tela aberta. As possibilidades são muitas. Acho que chegaremos na onipresença dessas telas conectadas e disponibilizando possibilidades de comunicação. E vai caber à pessoa definir quanto tempo do seu dia irá dedicar a essa atividade.

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No Brasil, os medicamentos genéricos são uma bandeira do governo. O software livre também. A cultura livre também é uma bandeira? Nós seremos um instrumento de fortalecer o direito autoral no Brasil. Queremos garantir o pleno direito do direito autoral no Brasil, que é muito precário. A maior queixa dos artistas é que não confiam no sistema de direito autoral brasileiro. Chamam de caixa preta.

Mas cerca de 40% dos internautas baixam. Como resolver isso? Somos contra a barreira tecnológica. Somos a favor de como nos EUA: haver diferenciações de usos comerciais e não-comerciais, possibilitando a cópia individual como direito do usuário. A legislação brasileira é deficiente e anterior a essas novas tecnologias. É necessário um novo modelo de negócios.

Globalmente, como o Brasil se encaixa na discussão dos direitos autorais e na produção de cultura digital? Precisa modernizar a legislação. Precisa estruturar a sociedade para essa produção. Temos uma possibilidade enorme de nos tornarmos produtores de animação digital. Mas é preciso investimento do governo, vai precisar que escolas formem artistas e desenhistas, além de empresas que explorem esse negócio.

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Mas há ativistas que dizem que o Brasil é um dos líderes no mundo… Ainda não é. Está longe disso. Tem avançado, mas está longe. temos artistas de ponta, desenhistas de ponta, mas se formos comparar com a Inglaterra, EUA, China, Japão, ainda tem outros na frente.

Mas o tempo que o brasileiro fica na internet já é o maior do mundo. Mas uma coisa é consumir, a outra é produzir.

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