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ENTREVISTA DE DOMINGO: Felipe Andueza; do LixoEletrônico.org

Durante essa semana, o coletivo Lixo Eletrônico movimentou a internet e o Twitter com o manifesto pela inclusão do chamado “e-waste” na Política Nacional dos Resíduos Sólidos (definido pelo PL 203/91, que está tramitando na Câmara dos Deputados).

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

No início do mês, um grupo de trabalho decidiu suprimir a menção ao lixo eletrônico no artigo que regulamenta a logística reversa e a reciclagem. Ou seja: a própria Política Nacional dos Resíduos Sólidos passará a ignorar solenemente o descarte do e-waste.

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Essa foi a deixa para uma intensa campanha do Lixo Eletrônico, coletivo surgido na USP há um ano. “O objetivo principal do programa é colocar a questão do lixo eletrônico em evidência (daí a criação de um blog) e agregar pesquisas, políticas e práticas em torno da gestão desses resíduos”, explica Felipe Andueza, ecólogo do Projeto Lixo Eletrônico. No estado de São Paulo o descarte do lixo eletrônico passará a ser regulamentado pela Lei 13.576/0, recém-sancionada pelo governador José Serra. Mas essa Lei é paulista – não há regras para o Brasil.

O Link conversou com o Andueza sobre o tema, tão pertinente para quem gosta de tecnologia. Afinal, a cada novo smartphone ou notebook que você compra, no final da cadeia um aparelho antigo precisa ser descartado.

Vocês falam que há um problema na tradução – em inglês, o termo é e-waste. O que entra nessa categoria? Waste tem a idéia de resíduo, descarte, mas não a idéia de lixo, final de linha. O que isso quer dizer? São resíduos materiais que podem ser reaproveitados de mil maneiras. Podemos definir como lixo eletrônico todo resíduo de aparelhos ou produtos eletroeletrônicos: de geladeiras a celulares, passando por lâmpadas fluorescentes, e os obsoletos video-cassetes e disquetes.

Qual é a diferença, em relação ao descarte, dos equipamentos eletrônicos e do lixo comum? O lixo eletrônico tem componentes tóxicos? Os resíduos eletrônicos variam muito na sua composição, de produto a produto, de modelo a modelo. Entretanto, quase todos possuem plásticos, metais ferrosos, metais pesados e polímeros anti-chamas (estes dois últimos apresentam alta toxicidade e grande poder contaminante).

O que é reciclável e o que não é? A reciclabilidade de um material depende da tecnologia empregada. Há produtos fáceis de reciclar, outros mais difíceis. Outro fator importante é a saída de mercado: há matéria-primas que tem alto valor (metais preciosos) e outras de difícil saída (pvc impregnado com chumbo, por exemplo). Outro exemplo é um computador: os plásticos e os metais ferrosos são fáceis de separar e reciclar, enquanto as placas de circuito apresentam um processo bem mais complicado de desmontagem, triagem e reciclagem.

Qual é a responsabilidade das fabricantes no descarte de lixo eletrônico? Pela Lei de Crimes Ambientais, que prevê o princípio poluidor-pagador, os fabricantes de produtos potencialmente poluidores são eternamente responsáveis por aqueles materiais. Entretanto, não há uma regulamentação específica dos eletro-eletrônicos, que entraria na Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas foi retirado do projeto de lei. Como o projeto ainda não foi aprovado, estamos tentando reverter o quadro. Dá para listar quais são as fabricantes mais e menos responsáveis em relação ao descarte dos aparelhos? O único estudo que temos conhecimento sobre o nível de eficiência ambiental da indústria eletro-eletrônica é o Guia Verde do Greenpeace. Na última versão, os fabricantes de celulares levaram as melhores notas. Isso se deve, principalmente, ao fato de os celulares serem vistos como grandes poluidores, enquanto a percepção a outros eletrônicos anda não é tão grande. A indústria responde muito bem à pressão e demanda de consumidores.

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 Foto: Estadão

Hoje, para onde vão os resíduos eletrônicos? No Brasil, ficam encostados em cantos da casa, depósitos, galpões da polícia federal (ex. máquina caça-níqueis), Santa Ifigênia e entorno. Boa parte deve parar no lixo doméstico, principalmente o que não pode ser doado, reaproveitado, etc. Estima-se que mais ou menos 1% do lixo eletrônico produzido no Brasil seja reciclado, somente. O que diz a Lei? Há regulamentação? Não a nivel nacional, vide resposta da Lei de Crimes Ambientais. Há somente algumas resoluções CONAMA sobre pilhas e baterias.

Em relação à alteração da Política Nacional de Resíduos Sólidos: qual foi a justificativa para retirar a menção aos artigos eletrônicos? O Grupo de Trabalho alegou que só foram deixados os produtos que já possuiam alguma normativa regulatória anterior (como, por exemplo, pneus, baterias e embalagens de agrotóxico e óleos). Pergunto: de que serve uma política nacional que só legisla baseada em normas anteriores? Espera-se pioneirismo de uma política nacional de qualquer assunto. É um motivo excuso, argumento fraco para excluir um resíduo sólido que é uma ameaça ao meio ambiente e à saúde humana, resíduo de difícil reciclagem, cheio de conhecimentos e matéria-primas preciosas. Um resíduo tão complexo e poluidor assim não pode ser ignorado.

O que o usuário comum deve fazer para diminuir o impacto ambiental de seus produtos eletrônicos? As pessoas enquanto consumidoras podem exigir dos fabricantes a recolhida e reciclagem de seus produtos, bem como a correta identificação das ameaças que estes apresentam, além do óbvio: consumir menos, reutilizar mais. Enquanto cidadãs devem exigir do poder público legislação específica que obrigue a logística reversa e reciclagem por parte dos produtores de eletrônicos entre outros mecanismos que protejam a saúde humana e o meio ambiente. Quanto aos aparelhos encostados em casa: equipamentos informáticos em bom estado podem ser encaminhados para a doação e projetos como o Metareciclagem. Quanto aos celulares, o melhor é devolver na loja onde foram comprados. Se não aceitarem, contate o fabricante e pressione: tenho um equipamento seu e é sua responsabilidade o descarte adequado.

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