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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Fake news, quatro anos depois

A desinformação não foi, e segue não sendo, um problema simples de diagnosticar

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Pedro Doria: 'Vereadores, deputados e senadores estão entre alguns dos principais divulgadores de notícias falsas' Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Parece que foi há muito, mas são apenas quatro anos. Em junho de 2016, com uma campanha que abertamente prometia recuperar centenas de milhões de libras inexistentes e, pelas redes, explorava um sentimento xenófobo que aflorava no povo inglês, o Brexit foi aprovado em referendo. Em novembro daquele ano foi a vez da eleição, nos EUA, de Donald Trump. Nos dois casos o mundo, acostumado a compreender eleições num certo jeito de ler pesquisas, foi tomado de surpresa. E assim, pelos caminhos inusitados de movimentos populistas de direita, a política foi apresentada às técnicas de desinformação via redes sociais.

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Não foi, e segue não sendo, um problema simples de diagnosticar. Faltam apenas dias para a nova eleição presidencial americana e, de certa forma, um ciclo se fecha. De lá para cá, aprendemos muito. Ações concretas foram tomadas. Talvez — e o resultado do pleito nos EUA será termômetro — o clima esteja já se voltando contra a onda autoritária. O zeitgeist alguma hora vira, antes cedo do que tarde.

Algo que provavelmente influiu bem pouco foi a Cambridge Analytica. Disposta a manipular as informações que tivesse às mãos, ao que parece a consultoria britânica não era capaz de localizar com tão refinamento quanto prometia os perfis dos eleitores que seus clientes buscavam. Ainda assim cobrou bastante caro pelo que prometeu e parece não ter entregado.

Quem por outro lado entregou o que prometia o fez por pouco e ainda não tem a fama que merece. É o italiano Gianroberto Cacaleggio, que deixou a Olivetti após criar técnicas de criar artificialmente consensos nas redes sociais. Esteve por trás da invenção do Movimento 5 Estrelas do seu país, suas técnicas foram depois aplicadas pelos separatistas britânicos e por Stephen Bannon na campanha de Donald Trump. Via Trump os truques chegaram ao Brasil e foram adaptados ao WhatsApp. O bolsonarismo sabe como nenhum outro grupo político, por aqui, levantar polêmicas para arregimentar grupos de pessoas em defesa dos seus valores.

Resta saber se o método tem prazo de validade. Exige da militância que esteja constantemente atenta, constantemente pronta para o embate, que não tenha paz. Exige uma vida tragada pela política do debate raivoso. No Brasil, ainda dura. Nos EUA, contra um adversário que não desperta emoções contrárias intensas, Trump não tem se mostrado capaz de fazer o jogo.

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Há outro elemento que não é irrelevante — o uso pela Rússia de desinformação em favor de candidatos, nos EUA e na Europa, que favoreçam seus objetivos geopolíticos. Ou seja, que mantenham a OTAN o mais dividida possível. Se em 2016 foi usando fake news via Facebook, este ano — de acordo com as agências de inteligência americanas ouvidas por Washington Post e New York Times —, foi tentando plantar acusações contra Joe Biden na própria imprensa. Tentou-se emplacar no sisudo Wall Street Journal, não deu, aí na Fox News em geral trumpista — não aconteceu. O tablóide sensacionalista New York Post aceitou. Twitter e Facebook contiveram a circulação da notícia para além da bolha do atual presidente.

Ao menos nos EUA, seja por anticorpos da sociedade ou das instituições democráticas, a doença parece estar mais fraca. Não quer dizer curada. Está dentro do contexto deste debate a abertura de um processo antitruste contra o Google por sua busca de texto.

Porque, no fim, o problema está na praça pública da qual a democracia depende. É o ambiente em que temos nossas conversas sobre o que é coletivo. Ela precisa ser variada e nos últimos anos se concentrou na mão de um número muito reduzido de corporações muito grandes. Antitruste existe para isso mesmo.

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