PUBLICIDADE

FFLCH Eletrônica

Fórum de Cultura Digital mistura Tropicália, banda larga e remix em encontro com cara de festival e clima de movimento estudantil

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Tinha lama, Gilberto Gil, comida vegetariana, bandeira boliviana e, ao fundo, Novos Baianos e Alceu Valença, hip hop argentino e dub. Uma placa avisava: “sorria, você está em Creative Commons”. Um desavisado que entrasse na Cinemateca Brasileira entre segunda e quarta da semana passada poderia pensar que estava em um festival alternativo, tamanha a quantidade de dreadlocks circulando.

PUBLICIDADE

Mas um olhar mais atento denunciava: o pessoal não estava só se espreguiçando no lounge. Munidos de notebooks adesivados, eles queriam conversar. E discutir o impacto da tecnologia na sociedade, durante o 2º Fórum da Cultura Digital Brasileira.

O sociólogo Cláudio Prado, que, nos anos 1960, foi agitador da Tropicália e hoje é coordenador do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, comparava o evento a uma “universidade californiana dos anos 70”. “Primeiro porque a arquitetura de tijolinhos da Cinemateca tem uma coisa anglo-saxã, um jeito elegante desse lugar se comportar. Mas também pelo fato daqueles momentos representarem uma busca de mudança cultural e social. O ‘student power’. Eu sinto aqui esse burburinho”, disse ele, olhando para a movimentação das pessoas que tinham, em média, pelo menos 30 anos a menos do que ele. “Mas não é uma coisa saudosista. O burburinho que a cultura digital está provocando é de esperança e possibilidades reais de mudança.”

Clique para ampliar Foto: Estadão

O Fórum reuniu praticamente todo mundo que está pensando a cultura digital hoje no Brasil. Estavam lá pioneiros como HD Mabuse, pesquisador do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife e responsável pela ligação do mangue beat com a tecnologia, e o pessoal do Mídia Tática e Metareciclagem, que discute e adota práticas alternativas para a tecnologia desde o começo da década passada.

Estava todo mundo lá, assim como os hackers do Transparência HackDay, que pegam dados públicos e recriam aplicativos para torná-los mais úteis para a sociedade, ou mesmo uma solitária Victoria Tinta, boliviana de La Paz que veio à São Paulo falar de seu blog, que busca manter e valorizar a sua cultura aimará. Também tinha muito de Gilberto Gil ali. Ele foi o escolhido para abrir o Fórum com John Perry Barlow, fundador da Eletronic Frontier Foundation (EFF) e responsável por levar algumas das ideias sobre internet postas em pauta na época em que o músico era ministro no País. Na abertura, Gil falou em revolução. “A gente tem de acabar com essa história de que revolução é juntar um monte de gente. Não. Revolução começa no acordar todos os dias. É vida pura e simples”. Foi aplaudido.

Quem circulava entre os pufes e a fiação para alimentar os notebooks no lounge do evento era interrompido por uma intervenção. Uma garota segurava um cartaz e perguntava: o que você está pensando, em uma referência ao Facebook. Do lado de dentro das salas, intelectuais e produtores culturais como o francês Vincent Moon, do projeto La Blogothéque, falavam de teorias e práticas na cultura digital. Na pauta, assuntos como o futuro dos livros, remix, criação.

A produção também havia montado uma arena para discutir temas quentes, como o Marco Civil da Internet, copyright e universalização da banda larga. Embora os assuntos tenham sido os mesmos que já ecoam em outros espaços, estava claro que o pessoal que se espreguiçava no lounge estava, sim, interessado no que estavam discutindo. Em ouvir e em reproduzir: no primeiro dia a hashtag #culturadigitalbr entrou para os Trending Topics e começou a espalhar spam.

Publicidade

José Murilo Júnior, coordenador de Cultura Digital no Ministério da Cultura, diz que quando ele vai para o exterior precisa ficar explicando por que a tal cultura digital brasileira tem essa cara. “Eles buscam entender qual foi a mágica, a alquimia que aconteceu. O Barlow diz que o Brasil é um ponto naturalmente conectado, e aí quando há infraestrutura, você cria um movimento de escala incrível”. Cláudio Prado tem uma teoria parecida. Ele diz que o Brasil, por ser miscigenado, é “muito rápido na compreensão de coisas novas”. “O primeiro mundo é muito enraizado em si mesmo, e os outros países emergentes, Índia e China, são muito peculiares em sua própria cultura. É difícil que mudanças de paradigma sejam compreendidas por culturas enraizadas. Aqui não temos uma raiz cultural profunda. E por isso temos uma capacidade de compreender o século 21 maior do que qualquer outro país”, arrisca.

O coordenador do evento, Rodrigo Savazoni, fala em reapropriação tecnológica, citando movimentos como o metarreciclagem. “A cultura digital brasileira é como a música, tem reapropriação da tecnologia de uma forma aberta e conectada à cultura popular”, diz ele, arriscando uma projeção para quando mais produtores tiverem acesso a recursos tecnológicos.

Ainda é cedo para saber se será como a introdução das guitarras elétricas na música brasileira, como aconteceu na Tropicália. Mas, sim, algo está acontecendo.

—- Leia mais:Agora é olhar para o futuroLink no papel – 22/11/2010

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.