Filmes autorais perdem com fim da Miramax

Estúdios apostam cada vez mais em séries à lá Harry Potter ou no 3D, mas como ficam os autores?

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Por Fernando Martines
Atualização:

A Miramax, produtora cinematográfica que foi independente por muitos anos (mas há algum tempo foi adquirida pela Disney) e responsável por filmes como Pulp Fiction, O Paciente Inglês e pela distribuição nos EUA de Cidade de Deus, fechou as portas na quinta-feira, 28 (veja matéria sobre o assunto aqui). Os motivos do fim da produtora não foram esclarecidos pela Disney, mas esse pode ser considerado um microcosmo de um acontecimento maior (e sim leitor do Link, relacionado com o mundo digital).

Pulp Fiction, marco do cinema nos anos 90. E agora?   Foto: Divulgação/Miramax

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Ao contrário da indústria fonográfica, que está vendo seu lucro sumir no mesmo ritmo em que torrents com discografias inteiras são baixados, o cinema se mantém firme, conseguindo ano após ano ganhos recordes. O que vem acontecendo de tão diferente para que as duas mídias, que são parentes próximos, tenham desempenhos monetários tão diferentes?

O primeiro fator determinante é que é muito mais rápido e simples baixar músicas que filmes. O armazenamento é outro ponto: um tocador de mp3 pode ser comprado por R$ 50 reais e a maioria dos celulares (onipresentes) já vem com essa função. Já alocar uma filmografia é bem mais complicado, já que iPhones ou iPod Touchs (gadgets que rodam vídeos) são bem mais caros (a outra opção é entupir o HD do seu computador).

O modo como se consome cada uma das mídias também influencia muito. A figura do purista da música, que vai até a loja, compra o CD, chega em casa, abre o embrulho, sente o cheiro do plástico, lê os agradecimentos do artista no encarte e onde o álbum foi mixado, e então o coloca no som e o ouve deitado no sofá olhando para o alto, está praticamente extinta. As pessoas ouvem música no metrô, enquanto trabalham, caminhando pela rua. E pra isso, um arquivo de mp3 basta. Com os filmes é diferente: é incômodo assistir um filme pelo iPhone no carro (e ainda ter que dar pause e continuar depois que se chega a aonde se estava indo). Ainda é muito comum fazer o rito do DVD, o qual consiste em chamar a namorada ou os amigos para assistir um filme na noite de sábado. Porque não fazer a mesma coisa, mas ao invés de alugar o DVD, baixa-lo no seu PC? Bom, assistir no monitor ainda não é a mesma coisa que na sua TV e as pessoas ainda não se familiarizaram com o fato que podem baixar, gravar num DVD e colocar no Home Theater.

Por este motivo DVDs ainda vendem/são alugados e CDs não. E a venda de DVDs (para locadoras ou diretamente para os consumidores) ainda é a principal fonte de renda de Hollywood. Mas isso também está mudando. “No Brasil, nos últimos três anos, o total de DVDs vendidos no País para locadoras caiu 45%. Já nos EUA, a renda do entretenimento doméstico patina há um bom tempo e caiu 22% só segundo trimestre de 2009” (trecho de uma matéria que saiu ano passado no Link e que você lê aqui).

Assim, com a banda larga chegando cada vez a mais lugares, com o fato dos monitores estarem virando televisões e das pessoas começarem a ver que podem ligar seu computador em suas televisões HD e assistirem os filmes que baixaram, o DVD, como seu primo CD, parece estar com os dias contados (exagero vai: anos contados).

Com isso a indústria cinematográfica voltou décadas atrás, antes do VHS, no período em que o filme deveria se pagar e dar lucro apenas com sua bilheteria (e depois de Star Wars, com os outros produtos que gerava como bonecos, camisetas e afins).

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Agora voltamos (finalmente!) aos motivos pelos quais a Miramax foi fechada (ou pelo menos parte dos motivos). Com as obrigações de conseguir o máximo de dinheiro com a bilheteria e com os produtos do filme, os estúdios têm apostado em duas coisas: no jogo ganho e no “inpirateável”. A primeira categoria é aquela em que os filmes já nascem bilionários. É o caso de Harry Potter, Crepúsculo, Homem-Aranha e Batman: os fãs, fanáticos e fiéis, lotam os cinemas mundo afora para que tenham uma relação muito mais intensa com a obra do que teriam se baixassem e assistissem em casa. O segundo caso é a aposta no 3D, naquilo que (ainda) não pode ser reproduzido no ambiente doméstico, o que ganhou um impulso realmente forte apenas agora, com Avatar.

Por enquanto, os estúdios vêm obtendo sucesso. Os lucros têm sido cada vez maiores e as bilheterias vêm batendo recordes. Em 2008 foi Batman. E agora, há poucos dias, Avatar, que superou Titanic e se tornou a maior bilheteria de todos os tempos. Mas como ficam a Miramax e as produtoras responsáveis por filmes menos espetáculos e mais autorais (os quais pouco importa assistir em casa ou no cinema)? Se não acharem um novo modelo de negócios, irão sucumbir como a empresa que possibilitou um Pulp Fiction sair do underground e atingir o mainstream. Qual é esse modelo de negócios? Eu não sei.

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