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Homem e máquina disputam coração dos ouvintes de streaming de música

Sistemas de recomendação por algoritmos ganham espaço nas plataformas de streaming de música e se tornam parte importante da estratégia de negócio dessas empresas; curadoria humana, porém, dá ‘calor’ a sugestões feitas aos usuários

Por Bruno Capelas
Atualização:
Playlists feitas por algoritmos e por curadores humanos convivem lado a lado nos serviços de streaming de música Foto:

Para quem é fã de música, descobrir um novo artista pode ser tão divertido quanto ouvir a canção em si – seja por indicação de um amigo, de uma rádio, de uma reportagem ou de um vendedor em uma loja de discos. Hoje, porém, há quem receba dicas de uma fonte diferente: um programa de computador. Cada vez mais populares, os algoritmos de recomendação se tornaram parte importante dos serviços de streaming de música.

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À primeira vista, pode parecer esquisito que um sistema criado a partir de cálculos matemáticos seja capaz de acertar a música o usuário quer ouvir em um momento específico – ao acordar, durante um churrasco ou antes da balada.

O segredo é que a maioria dos sistemas não olha exatamente para as canções – mas sim para seus ouvintes. “O algoritmo analisa o que cada usuário ouviu dentro da plataforma, e aproxima gostos semelhantes”, explica o português Pedro Domingos, professor da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. “Dentro do grupo, o algoritmo olha para o que há de diferente entre as pessoas, e recomenda a elas o que ainda não escutaram.”

Cada serviço utiliza algoritmos a seu modo, combinando-os com seleções feitas por curadores humanos. Normalmente, os sistemas automáticos são utilizados em ferramentas de personalização para o usuário. É o caso do Flow, do Deezer, ou do Descobertas da Semana, do Spotify, que geram playlists (listas de reprodução, em inglês) personalizadas para cada pessoa – tarefa que uma equipe humana nunca seria capaz de realizar semanalmente para milhões de usuários. “Uma das vantagens dos algoritmos é que eles podem olhar grandes bases de dados e filtrar informações úteis”, explica Domingos, autor do livro O algoritmo mestre.

Tempero. Nos serviços de streaming, porém, os algoritmos são temperados com outras informações – o Google Play Música usa dados como “temperatura e clima”, enquanto o Flow, do Deezer, leva em consideração a opinião de curadores humanos. “Um editor especializado em rock pode sugerir uma música dentro do Flow, que também lê os estilos e até a velocidade da música”, explica Yasmin Muller, gerente editorial do Deezer no Brasil. 

Além de “sugerir” informações para o Flow dos brasileiros, Yasmin também faz boa parte das playlists locais. Outros serviços também têm equipes locais para se aproximar dos brasileiros. Procurados pelo [BOLD]Estado[/BOLD], Spotify e Google Play não deram entrevista. O Apple Music não respondeu às solicitações da reportagem.

Mais do que uma funcionalidade, o uso de algoritmos, combinado à experiência de curadores humanos, é a principal estratégia de diferenciação no negócio do streaming de música. “Catálogo já foi um fator de diferenciação no passado, seja pelo número de músicas ou por ter um artista exclusivo. Hoje, você tem que focar no diferencial do serviço”, avalia Flávio Souza, chefe de conteúdo do Napster para a América Latina. 

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Ruído. A tecnologia dos algoritmos, porém, ainda tem limitações. Uma delas está relacionada à criação de playlists baseadas no gênero. “Pensa no Wesley Safadão: ele faz forró, sertanejo ou pop? É subjetivo”, diz Yasmin. Esse problema pode gerar desconforto nos usuários: uma playlist de forró gerada por algoritmo, por exemplo, pode misturar Luiz Gonzaga e o já citado Safadão. “Os dois cabem no mesmo gênero, mas quem ouve um pode não gostar do outro”, diz a curadora.

Para o escritor e crítico de música Ricardo Alexandre, playlists e sugestões feitas por algoritmos sofrem com a falta de surpresas. “Gosto de ser surpreendido por estilos que não costumo ouvir sempre, como reggae”, diz ele. “Nossa relação com a música é mais misteriosa do que lógica.”

Outro risco que os algoritmos trazem é a formação de “bolhas musicais”: o usuário tem a sensação de que todo mundo escuta o mesmo que ele. “A bolha é um fenômeno de nicho, mas interfere em uma das características principais da cultura: o diálogo entre a diferença”, diz Adriana Amaral, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). 

Com o avanço dos algoritmos, é inevitável imaginar se eles podem substituir os curadores humanos. Para os entrevistados, a resposta é não. “É como quando diziam que a rede social ia matar a TV. Hoje, as pessoas só falam de TV nas redes sociais”, diz Yasmin. Mas é bom tomar cuidado, alerta Alexandre. “A música fala com o inconsciente. Se os robôs conseguirem sonhar, como o Isaac Asimov previu, eles podem ocupar esse lugar.”

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