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Lost é uma estrutura""

Fernanda Furquim, jornalista especialista em seriados, fala da importância da série

17/05/2010 | 17h24

  •      

 Por Filipe Serrano - O Estado de S. Paulo

Para a jornalista Fernanda Furquim, que acompanha séries desde os anos 70 e começou a trabalhar com o tema em 1995, o principal êxito de Lost é ter mantido o mistério por tanto tempo e ter aproveitado as tecnologias do momento para fazer ações paralelas, tudo misturado a uma trama extremamente complicada para a televisão aberta.

Fernanda Furquim edita o blog Revista TV Séries, originado da primeira revista sobre o tema no País, criada por ela, — diz não ser uma fã de Lost, apesar de gostar da série — e é autora do livro As Maravilhosas Mulheres das Séries de TV. Abaixo, a entrevista completa.

Hoje existem muitos sites e blogs sobre séries, não só Lost, e maioria surgiu depois de Lost. Por que isso aconteceu?

Eu costumo dizer que,  pelo menos no Brasil, Friends e Lost foram as duas séries que alavancaram o fandom brasileiro.  Já existia um público grande de série, mas eles não costumavam a se manifestar. Primeiro, porque não existia nenhum veículo pra se manifestar, e segundo porque muitas vezes não tinha motivo para se criar esse auê. Quando o Friends começou, eram muitos adolescentes que assistiam. E adolescente sempre fez barulho quando se une e sai pra conversar. Eles eram o público alvo. Então dificilmente ia passar despercebido. E quando veio o Lost, uniu também muitas pessoas mais velhas por causa do tema e da proposta. No Friends era mais adolescente. Lost é uma estrutura, uma abordagem maior.

Mas de certa forma o mesmo público que assistia a Friends passou a ver Lost.

É, o público envelheceu. Mas independente desse pessoal, a série também agregou outros públicos, de 40 anos para cima. Por isso costumo dizer que são as duas séries que alavancaram o formato de seriado no Brasil.

Algum elemento  fez com que Lost abrangesse todas essas faixas de idade?

Independente de Lost, abranger todas as idades, todas as faixas culturais e diferenças, é difícil na TV aberta. É como um funil. Se você está em cima, atinge mais gente. Se começa a verticalizar a história, vai perdendo. Tanto é que Lost foi perdendo a audiência. Ele tem fama, é popular, porque foi mais conhecido na primeira temporada e herdou essa fama, depois perdeu muito público porque começou a ficar mais difícil de acompanhar a história. Na primeira temporada era um proposta mais simples em relação ao que ela se tornou hoje. Era mais fácil acompanhar a primeira temporada e a segunda. E qualquer proposta de mistério bem elaborada sempre estimula o interesse de público. Se o roteiro segurar bem até o final, OK. Se falhar no meio do caminho, perde público. Não só o tema (tem mistério), mas em relação aos próprios personagens. Você não sabia quem era quem. A história começa num ponto em que você tem um monte de personagens entregues no seu colo, sem ter absolutamente nenhuma noção de quem é quem, e quem vai ficar.

Isso é uma novidade na TV?

Não posso te afirmar completamente, mas em relação a minisséries, você nunca sabe quem são os personagens realmente. Esse tipo de introdução eu considero uma novidade. Pode ter séries que tenham feito isso, mas não se tornaram tão conhecidas. Todas as séries que ficam muito famosas, você pode ter certeza que houve uma (série) experimental antes dela.

Até a própria trama ali na ilha fica em segundo plano. Acaba sendo mais instigante saber o passado dos personagens, o futuro e agora, a realidade alternativa.

Eu chamo o Lost de colcha de retalhos no bom sentido. Falo isso porque Lost agregou dezenas de elementos que já tinham sido explorados individualmente (na televisão). Então, numa única série, ela introduziu elementos já comprovadamente interessantes ou que davam certo, e colocou numa série só. A questão da linha paralela entre o presente e o passado surgiu nos anos 70. Já existia antes, mas, digo, como tema fixo.

Onde?

Que eu saiba o Kung Fu foi a primeira, em 1972. Porque você tem um personagem, que era o David Carradine, um chinês que aparece no meio do faroeste, do nada. Você não sabe a história dele. Nesse sentido, se você pensar em relação a Lost, é a mesma introdução. Um acidente aéreo. E no Kung Fu, você tinha de repente um personagem, que vivia sozinho, falava pouco o inglês, não tinha amigos. Geralmente os personagens fazem amizade com alguém e pela conversa você descobre quem ele é. No Kung Fu não tinha isso. Ele não conversava com as pessoas sobre quem ele era e sobre o passado dele. A única forma que a gente tinha de descobrir quem era esse personagem, é quando entravam as lembranças dele do passado. Ele aparecia no templo, conversando com o mestre dele, revelando as dúvidas em relação a vida, e você tinha uma ideia de quem ele era a partir dessas cenas. Nesse sentido o Lost fez a mesma coisa. Mas em vez um personagem só, de uma só pessoa, Lost botou uma dezena de pessoas ali passando pela mesma situação que o personagem do Kung Fu viveu.

A linguagem que Lost explorou faz parte de linguagem atual, mais contemporanea e misturada com a tecnologia, de que a vida não é tão linear, mas um quebra-cabeça de experiências e informações que aparecem com o tempo?

Não vou entrar tanto em linguagem, mas em termos de indústria, a TV a cabo americana estava dando um banho nos canais abertos. A partir de 2000, a TV a cabo deu um salto muito grande, em função da Família Soprano, do OZ, do Sex And the City. Apesar de muita gente não gostar, foi uma série que deu um impulso na televisão fechada. E ela estava ameaçando a TV aberta, que segue as regras de público. Para a TV a cabo importava mais oo conteúdo.

Então o Lost surgiu da necessidade da TV aberta se renovar?

A TV aberta sempre precisa se renovar. Não que tenha menos audiência do que a TV a cabo, mas credibilidade e interesse. A TV aberta tem interesse em inovar, em modificar, se não fica monótono até para eles. Então começaram a procurar algo diferente da rotina do que normalmente é produzido.

Isso porque o público mudou também, não?

Com certeza, porque se outros veículos estão inovando, o público está sendo influenciado por eles também, não é só a televisão. Antes era a TV aberta que provocava as mudanças. Não era o público que pedia. As séries que promoveram a revolução da programação seriada surgiram foi por insistência da televisão, não pela aceitação do público. O público acabou aceitando pela continuidade delas. Mas a maioria das séries consideradas revolucionárias tinha baixa audiência quando estreiou. Foi porque a TV insistiu, renovou, continuou exibindo, divulgando e fazendo propaganda que elas pegaram. Hoje eles não fazem mais isso. Se não pegar na primeira, raramente dão continuidade. Séries de história contínua são muito perigosas para a TV aberta porque se o público perde um ou outro episódio, ou se não entende o que está acontecendo, vão perdendo audiência. É um risco. E a emissora tem de vender para reprise, e uma história muito longa, contínua, muito dependente um episódio do outro, compromete a venda.

Por isso a TV americana passou a transmitir pela internet também?

Nesse momento de período da exibição original, que desperta o grande interesse do público, eles têm a obrigação e a necessidade de explorar todos os veículos. É necessário. O canal não sabe se depois que for revelado o final, a série ainda vai dar lucro (com reprises e DVDs). Você tem de explorar todas oportunidades agora para compensar tudo o que foi gasto e fazer valer a fama que ganhou. É uma necessidade, é uma questão administrativa. Seria burrice se não fizessem isso. E porque também os próprios fãs criaram esse movimento sobre a série na internet.

Depois de Lost, as pessoas parecem ter tido mais contato com a cultura de séries na internet, aprendendo a baixar os episódios e legendas. O que acha disso?

Acho que isso aconteceu porque a produção de séries com histórias contínuas está maior agora do que no fim da década de 90. Cresceu muito nessa década, e não sei se é na próxima década vai continuar, porque geralmente a década seguinte sempre é meio que o inverso da outra. Não dá para puxar demais o elástico, senão arrebenta. Uma hora ninguém mais vai aguentar acompanhar tantas temporadas e tantos episódios. Ou pior, a série é cancelada e você fica sem saber o que acontece. Isso tudo prejudica a continuidade de produções com esse tipo de narrativa. Tanto é que hoje há um número cada vez maior de séries de histórias contínuas que se fecham no fim da temporada. Aí o mesmo elenco de personagens vai para a temporada seguinte com um outro tema. Dexter, Damage, Californication fazem isso. São séries que a cada temporada têm um tema, um objetivo. Porque se for cancelada, o objetivo foi fechado.

Como começou o movimento de séries com histórias contínuas nesta década?

É praticamente com a evolução dos anos 80 que foi o boom das novelas noturnas, a moda, a grande coqueluche dos anos 80, embora as séries policiais também tivessem já histórias contínuas. Elas deram continuidade para as séries dramáticas dos anos 90, e influenciaram programas familiares e policiais. A chegada da TV a cabo, o aumento da produção de séries na TV a cabo também foi outra influência. Eu acho que o Família Sopranos foi muito mais relevante do que Lost, no sentido de importância de séries contínuas. Lost veio depois. Sopranos é de 1999. Não que foi a primeira produção, mas, da década de hoje, a série que influenciou a produção de histórias contínuas foi Família Sopranos. O impacto dela colocou a TV a cabo americana no mapa. Antes dela, existiam produções, mas 90% da população não conhecia. E isso é muito mais importante que Lost para o movimento de histórias contínuas.

Alguns mistérios de Lost só são revelados em produções paralelas, como sites e websódios. Isso foi a grande marca da série?

Não. Isso é dos anos 90. O Life on the Street, do David Simon, foi a primeira a ganhar uma websérie paralela. Depois teve Arquivo X, que teve um movimento muito grande na internet, não só de fãs, mas a própria Fox utilizava a internet. A diferença é a proporção porque hoje a tecnologia permite isso. Tanto que daqui uma década, Lost não vai ser nada. Vai ter outras séries fazendo três vezes mais do que Lost em relação a novas mídias, que a gente nem sabe quais serão. Não estou querendo diminuir a importância, mas é para desmistificar a ideia de que Lost criou alguma coisa. Não vou dizer que não criou nada, mas para não ganhar fama de ter criado o que ela não criou. Quando eu falo colcha de retalhos, é neste sentido. Ela agregou vários elementos que já existiam separadamente: a internet, o mistério, a história não linear. Isso de enfiar muitos elementos, é uma novidade — se Lost teve alguma novidade. O que sempre foi regra na televisão é: ‘não complica as coisas porque o povo não gosta de coisa complicada’. Se achassem que o público ia ter dificuldade de acompanhar uma série, ela não era produzida ou recebia modificações no enredo para facilitar a compreensão. Lost não fez isso.

Provou que dava para fazer.

Exato. Se eu fosse eleger uma novidade de Lost, seria o fato de a televisão aberta, a ABC, ter apostado em algo com esta complexidade. Até os anos 90 a única complicação que se permitia era ter uma única trama, tipo Arquivo X, que você tem uma única trama em torno da irmã do Mulder e etc, mas era sempre em cima daquilo, não tinha complicações paralelas na trama. A TV aberta permitiu exibir uma história extremamente complicada e que provavelmente vai terminar sem uma explicação satisfatória para a grande maioria. A única série americana que até então tinha conseguido isso foi Twin Peaks. Quando ela terminou, muita gente continuou com um ponto de interrogação na cabeça. Até hoje, tem gente que não entendeu o que o autor quis dizer. Esse tipo de trama é raro ver na televisão. Não é inédito em relação a Lost, mas é inédito em relação à quantidade de tramas paralelas complicadas.

Então o que Lost deixa para o futuro da televisão?

Eu diria que ela deixaria como uma proposta. Não acredito que vá gerar muitas produções nesse mesmo nível de tramas complicadas porque é difícil vender esse tipo de produto. De 1994 até 2001 se via tanta série copiada do Arquivo X até não poder mais. Não acredito que Lost vá conseguir produzir a mesma quantidade de cópias. O máximo que se consegue fazer é o que já existia. Uma trama complicada, mas única. Nesse tipo de tramas paralelas, ao longo de várias temporadas, 5, 6 anos, acho que vai demorar muito para aparecer de novo. Isso também é minha opinião. Afinal de contas o próprio J.J. Abrams está aí. Ele já fez uma vez, e vá saber o que ele vai fazer no futuro. Ele é o eu chamo de Midas da vez. O Chris Carter foi, o Stephen J. Cannell foi, o Dick Wolf foi, agora é ele. E depois dele vai vir outro. Não que ele vá deixar de produzir, mas (o formato) vai virar ‘feijão com arroz’. Hoje você vê uma produção do Dick Wolf já sabe que é uma história policial. Se ver do David Kelly, sabe que ele vem com uma história de tribunal. Se for o J.J. Abrams, já sabe que é alguma coisa de mistério.

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