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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Menos Mises, mais Mill

O 2020 foi tão intenso, gera tanta expectativa para 2021, que esquecemos que começa uma década

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Nesta década que entra algumas tecnologias vão se encontrar Foto: Maira Vieira/Estadão

Aquele 2020 foi tão intenso, gera tanta expectativa para este 2021 e mal esquecemos que hoje não é só um ano que começa. É, também, uma década. Os anos 20 do século passado foram os da esperança, da celebração de vida pós-Primeira Guerra e gripe espanhola, enquanto a democracia liberal desmoronava no entorno perante fascistas e bolcheviques. Estes nossos anos 20 não precisam ser assim. Mas, para que seja um tempo de esperança, precisamos compreender que o Brasil está muito atrasado para chegar ao século XXI. E isto pode representar uma crise muito séria.

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Na década de 10, apostamos numa imagem de país que data dos anos 1950. Apostamos em petróleo, em estaleiros, numa indústria hidrelétrica que ignora a mata e, claro, na agroindústria. Nada contra. Mas deveríamos ter colocado mais fichas na indústria de software, no conhecimento genético, energia limpa, e incrementado em muitos níveis a educação para termos brasileirinhos bem formados em matemática. No final deste século, trocamos aquela visão por outra – a dos ditadores dos anos 1960. China, Índia e Rússia mergulharam no século XXI. Pois é.

O problema é o seguinte: nesta década que entra algumas tecnologias vão se encontrar. São 5G, a inteligência artificial que chamamos “aprendizado de máquina” e robótica. O resultado será a completa automação do mundo físico. O resultado será também uma imensa onda de desemprego.

Se o Brasil for apanhado neste momento sem uma indústria de século XXI e com o desemprego que virá da automação, estaremos no pior dos mundos. E ainda temos dois anos do mais inepto dos governos pela frente. Ou seja: nas eleições de 2022, não podemos errar.

A um ponto da história, ocorreu este feliz encontro entre estas duas ideias – a democracia e o liberalismo. A democracia trazia consigo o sufrágio, o voto popular. O liberalismo, a ideia de que não pode haver opressão contra cada pessoa. Todos somos iguais em nossos direitos e deveres. E, assim, construímos um Estado de leis, atribuímos a todos direitos humanos, garantimos que o sistema pode ser democrático, mas a maioria nunca tem o poder de oprimir a minoria. Que ninguém tem o poder absoluto – os poderes são divididos, distribuídos. A democracia temperada pelo liberalismo é um achado. Que precisamos preservar.

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Liberais-democratas sempre demonstraram a capacidade de se reinventar perante a realidade que encontravam. É a velha sabedoria do Eclesiastes: há um tempo para plantar e outro para colher. Ou, como diria John Maynard Keynes, há o tempo de o Estado entrar, e o tempo de ele sair. Keynes, um liberal.

Em meados do século XIX, perante o estrago social e a mancha de miséria trazidos pela revolução industrial em Londres, Karl Marx imaginou que, perante a incapacidade de se reformar dos liberais, só a guerra entre classes promoveria uma sociedade na qual todos podem de fato ser iguais em seus direitos.

Enquanto isso, um seu vizinho na mesma cidade, John Stuart Mill, percebia que o Estado precisava entrar para garantir que todos tivessem a mesma base. Percebeu que liberdade só existiria se dignidade fosse garantida a todos. Estas democracias com as quais nos acostumamos no pós-guerra são todas fruto do pensamento de Mill.

Nas últimas décadas, liberais brasileiros se abraçaram demais com a escola austríaca de Luwig von Mises. Pois bem, precisaremos de um grande investimento do Estado em educação a partir de 1.º de janeiro de 2023. De regras muito ágeis, sem burocracia, para a nova indústria. E de políticas que mantenham o povo fora da miséria mesmo com o tranco do desemprego. Precisaremos de um Estado com muito foco. E, para termos este foco, a conversa tem de começar já. Quem sabe até Caetano Veloso não possa chegar a 2030 se encontrando com seu lado liberalóide.

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