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MPB: Música Para Baixar; um manifesto

“Quem baixa música não é pirata, é divulgador”. Essa é a justificativa dos músicos e ativistas que anunciaram a primeira versão do manifesto Música Para Baixar – ou, como preferem, MPB.

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

A idéia é que o manifesto seja assinado não só por músicos, mas por todas as pessoas que estão na cadeia produtiva musical – inclusive os consumidores. Segundo os organizadores, o movimento “será uma forma de levar os valores e práticas da economia solidária” para os profissionais envolvidos e para quem consome música.

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O Link conversou com o músico Richard Serraria, um dos idealizadores do manifesto, para saber mais sobre a iniciativa e para conhecer o que o grupo pensa do atual mercado fonográfico.

Por que criar um manifesto online? Começamos (Teatro Mágico, Gog, eu e Everton Rodrigues) a pensar estratégias de chegar a um grande número de pessoas que pudessem ser convidadas a repensar a relação artista/gravadoras. Sobretudo buscando geração de renda para um número maior de pessoas envolvidas na cadeia produtiva da música. Falta organização entre a cena musical brasileira? Acho que a questão não é de organização, mas sim de entendimento que a questão é processual, envolvendo acesso das pessoas à internet num país cheio de desigualdades sociais. Acho que a classe musical vivencia a primeira onda gerada pelo acesso de um número grande de pessoas à web. A organização é recente, mas os problemas são antigos. É avançando nos meandros dessa discussão que surgirão soluções plausíveis e cada vez mais democráticas.

O que pensam da Ordem dos Músicos do Brasil? É uma instituição que precisa ser repensada em seus princípios. No molde antigo, sem revisões, não representa a complexidade das necessidades dos músicos. Há bem pouco tempo atrás essa instituição exigia carteira da entidade para liberar um artista para fazer show, absurdo que caiu graças à ação de músicos com advogados. Este é um exemplo apenas a indicar a necessidade de revisão das velhas práticas arcaicas há muito praticadas, algumas vezes, por essa instituição.

 Foto: Estadão

O Ecad ainda tem função na era digital? Tem função, pois ele envolve a mídia tradicional e também repasse de verba referente à execução pública em shows. O ECAD cobra dos contratantes que deveriam repassar um repertório claro à entidade indicando o nome das canções de forma precisa e correta, bem como nome dos compositores e entidade a qual os eles são filiados. Burocrático? Sim, mas aí tem grana e portanto deveria ter exercício concreto dos artistas para fazer com que essa máquina funcionasse. Não somos a favor do fim do ECAD. Achamos que parte de suas práticas devem ser repensadas para que ela cumpra sua função: repassar direitos financeiros aos trabalhadores que geram tais receitas.

Vocês acham que hoje, ainda, muita gente ainda não entendeu a nova forma do mercado fonográfico? A cena musical vai muito além dos artistas que comumente têm acesso aos mecanismos de gravação, prensagem e circulação de discos via mídia tradicional. A tecnologia mudou essa relação. Hoje se grava com mais facilidade, mas se esbarra nas outras partes do processo. Por qual motivo? Pelo fato de que grande parte dos realizadores vislumbram o velho modelo de encontrar um produtor/mecenas que alavanque sua carreira, investindo financeiramente no trabalho. Ou seja: mudaram os paradigmas, mas não mudou a mentalidade dos realizadores que misturam autogestão numa parte do processo com expectativa de vivenciar o velho modelo de gravadoras, mídia nacional e jabá, por exemplo.

Dá para ganhar dinheiro liberando suas músicas? Dá sim, sem dúvida. Tem a receita de shows, venda de produtos, oficinas/workshops e sobretudo a ação social que fortalece redes de circulação envolvendo sindicatos, circuito universitário, rádios comunitárias, pontos de cultura, ONGs, redes do SESC espalhadas pelo país, etc. Há ainda a questão do direito autoral da execução em shows, muitas vezes desconhecida pelo artista que não exige uma ação concreta junto ao ECAD para que esse dinheiro chegue às suas mãos. Há também uma série de ações bem-sucedidas envolvendo cooperativas de artistas que trabalham sobre mecanismos da economia solidária que dão exemplo concreto de viabilidade financeira.

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Por que, para o artista, botar sua música ‘para baixar’ é vantajoso? Num momento pode ser vantajoso, pois o artista pode estar voltado ao incremento da circulação, querendo que sua música seja conhecida e futuramente possa lucrar com isso. Mas isso não é uma ação unívoca. Achamos que aqueles que querem ser remunerados devem achar os mecanismos devidos (download remunerado, venda no próprio site etc) e entendemos tal movimento como legítimo. Apenas achamos que deve haver a possibilidade, ou melhor, a liberdade de escolha.

Vocês têm relação com o ministério da Cultura? Temos uma relação amistosa e de reciprocidade pois eles têm uma discussão muito avançada envolvendo o direito autoral. Os artistas precisam tomar partido acerca dessa discussão, essa é nossa idéia. O MinC viabilizou passagens aéreas para o lançamento do MPB em Porto Alegre, pois julgou importante que tal discussão avançasse hoje no Brasil. Mas não temos nenhuma ligação formal com o ministério, tampouco vínculo empregatício, nem forma alguma de indicação a cargos ou subsídio financeiro. Temos o MinC como um parceiro e não o vemos como financiador de nada.

O que acharam da gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura? Abriu discussões importantes sem dúvida, acho que ele foi bem-sucedido seu trabalho. Não se muda uma realidade complexa em tão pouco tempo. Foi um ponto de partida, mas acho que os artistas devem participar de ações políticas que possam instaurar mudanças na cadeia produtiva da música. Gil fez o que estava ao seu alcance, até em função de sua história e daquilo que poderia contribuir no seu atual momento de vida. Cada artista deve fazer, à medida do possível, movimento semelhante de vislumbrar aquilo que ele pode contribuir ao coletivo. O MPB é isso, essencialmente colaborativo e inexoravelmente coletivo.

Que artistas já aderiram ao manifesto? Teatro Mágico (SP), GOG (DF), Bataclã FC (RS), Leoni (RJ), Eduardo Ferreira (MS), Juca Culatra (PA), O sol na garganta do futuro (ES), Nuvens (PR), Coyote Guará (DF), Léo Jaime (RJ), Roger do Ultraje a Rigor (SP), etc. São muitas adesões, não só de artistas mas sobretudo de “artivistas”.

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