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Opinião|Mudou o jogo da nova Guerra Fria

De um presidente que virava as costas para a ciência, os EUA mudaram para um que vai ao seu encontro

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Biden quer repetir a experiência de um de seus mais importantes antecessores — Franklin Roosevelt Foto: Joshua Roberts/Reuters

Em meio a tantas mudanças no governo americano, passou despercebida uma carta escrita pelo presidente Joe Biden à direção do Instituto Broad. Dedicado ao encontro entre tecnologia digital e genética, entre ciência pura e medicina prática, o Broad nasceu de uma rara colaboração de duas universidades vizinhas — Harvard e MIT. E Biden quer repetir a experiência de um de seus mais importantes antecessores — Franklin Roosevelt. De um presidente que virava as costas para a ciência, os EUA mudaram para um que vai ao seu encontro. E que deseja, com ciência e tecnologia, redefinir o conflito com a China.

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“Em 1944, o presidente Franklin Roosevelt escreveu uma carta a seu assessor científico, Vannevar Bush, lhe perguntando como ciência e tecnologia poderiam ser aplicadas para beneficiar a saúde, a prosperidade econômica e a segurança nacional nas décadas após a Segunda Guerra”, escreveu Biden. “A resposta do Dr. Bush veio na forma de um relatório que deu curso ao avanço científico americano dos 75 anos seguintes.”

No centro do debate está uma discussão sobre o papel do Estado, uma mudança no pensamento liberal, e a compreensão de que os EUA estão entrando numa nova Guerra Fria.

O problema que Roosevelt tinha pela frente já era claro em 1944. A Alemanha Nazista ia perder a guerra, o fascismo seria limado do mapa, EUA e União Soviética venceriam e entrariam em disputa por influência no mundo. Nos anos 1940 e 50, batiam-se os dois polos do mundo em igualdade de condições no desenvolvimento científico. Na briga ideológica de qual sistema seria capaz de gerar riqueza, desenvolver conhecimento e avançar com sua sociedade à frente, a democracia liberal bateu o comunismo.

A China é muito diferente do que foi a União Soviética. Segue tendo um governo altamente centralizado, não há liberdades individuais, e o planejamento econômico é feito em Beijing. A diferença é que o regime agora é capitalista, há gente que enriquece, histórias de empresários que ergueram suas companhias do nada, e eficiência na produção nunca é deixada de lado por burocracia.

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A China produz tecnologia de ponta, de ponta mesmo. Conseguiu o que a URSS jamais chegou perto de atingir.

Assim como a segunda metade do século 20 foi marcada por uma disputa de sistemas, também a primeira metade do século 21 será desenhada assim. A diferença é que o adversário das democracias liberais, desta vez, é competente. Por isso mesmo, por parecer ter criado a ditadura eficiente, capaz de gerar riqueza e de distribuí-la, a China se torna um modelo tentador para muitos.

Donald Trump entendia este jogo como mera disputa comercial. Pouco afeito à ideia de democracia, não entendeu onde estava o verdadeiro potencial americano. Do governo Reagan para cá, o Estado se ausentou de ter um papel maior no futuro dos EUA. Biden, agora, volta àquele modelo de John Maynard Keynes e John Kenneth Galbraith, que permeou as presidências de Eisenhower, Kennedy e Johnson.

Não se trata do Estado central dos nacional-desenvolvimentistas. Não é um Estado que decide indústrias e orienta a nação de Washington. Mas é um Estado que gasta dinheiro pesado para desenvolver ciência e atrair cérebros de toda parte, um Estado em essência multicultural. A aposta é de que conhecimento será criado em tal quantidade, e com a liberdade de inquirir e testar que só democracias são capazes de produzir, que o resultado inevitável será o surgimento de empresas e até mesmo de novas indústrias inteiras.

O Vale do Silício nasceu assim.

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