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Mundo digital encontra o processo eleitoral

Entrevista com Patrícia Peck sobre o que muda com a reforma eleitoral para campanhas na internet

Por Fernando Martines
Atualização:

Em 2009, o Congresso brasileiro aprovou uma Reforma Eleitoral que há muito tempo era pedida. Os defensores da lei 12.034/2009 alegam que ela finalmente colocou a eleição na internet. Mas afinal, o que mudou com a nova lei no quesito eleição e internet? Para responder à esta questão o Link conversou com a advogada Patrícia Peck. Especializada em Direito Digital, Peck lançou junto com o advogado Leandro Bissoli o audiobook Eleições Digitais, pela editora Saraiva, que trata sobre as mudanças que ocorreram com a reforma eleitoral de 2009.

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Muito se falou da reforma política aprovada no ano passado. Mas a impressão é que não ficou claro ao grande público o que mudou e o que não mudou. Você pode nos dizer de forma didática, em relação à internet e eleição, o que pode agora que não podia antes?Patricia Peck: Com o advento da lei 12.034/2009, tornou-se possível fazer propaganda eleitoral gratuita por meio de redes sociais, comunicadores de mensagem instantânea, e-mails, chats. O candidato pode pedir votos por meio de seu site ou blog. Pessoas físicas podem fazer campanhas em seu espaço virtual. E não há prazo para que estas propagandas saiam do ar. Antes da promulgação desta lei, a propaganda eleitoral era muito mais restrita, só era permitida no site em nome do candidato, devidamente cadastrado no TSE e registrado com a terminação “.can.br”.

Você acha que o Brasil já tem uma legislação eleitoral adequada no quesito internet? Que leis devem ser criadas e o que deve ser suprimido?Patricia Peck: A meu ver, infelizmente não. O Brasil ainda não tem uma legislação eleitoral adequada no quesito internet, porque a proibição de veiculação de propaganda paga na web não faz o menor sentido. A tendência mundial é de poder fazer todo tipo de comunicação na web, pois já estamos na era da Geração Y, de eleitores que vão votar pela primeira vez, e a Internet é seu principal meio de informação. A proibição de contratação de propaganda paga na web é um dos maiores erros desta legislação, a justificativa dada foi a de não aumentar gastos com campanha política, mas há outras formas de se garantir isso. Outro ponto que não ficou claro foi o concernente à utilização de mensagens nos celulares. O tratamento destas questões deveria ter sido exposto de uma forma mais clara e permissiva. Até mesmo a doação online deveria permitir a doação por pessoa jurídica, o que não pode ainda. Pela internet só pode doar pessoa física com cartão de crédito em seu nome.

Juridicamente falando, o que você acha que teremos de novo nessa eleição com a possibilidade de campanha mais abrangente na internet?Patricia Peck: Com a possibilidade de realização de campanha na web acredito que teremos um debate maior, é possível até que a web gere um candidato próprio – ele pode até não ganhar, mas a opinião do internauta tende a ter um peso cada vez maior, até pela força do engajamento. No tocante a incidentes jurídicos não há muitas novidades, pois o que já ocorria agora vai ocorrer apenas com uso de outras ferramentas, mas os remédios jurídicos são os mesmos. A Internet tem o poder de perpetuar o conteúdo, isso pode gerar maior responsabilidade na hora dos candidatos fazerem promessas. O cidadão pode estar conectado direto a ela, não pode o candidato após se eleger tirar  o seu Twitter do ar, isso gera a impressão de ruptura. Podemos dizer que agora devemos pensar muito mais no antes, durante, e depois da campanha.

O que um cidadão normal pode fazer na internet que seja considerado crime? Fazer posts e tweets falando bem de um candidato é legal? E postar propaganda oficiais no blog? Patricia Peck: O cidadão tem o direito de exercer a liberdade de expressão na Internet, conforme previsto na Constituição Federal. As mesmas regras aplicáveis ao mundo real também o são no mundo virtual. Por exemplo, se o cidadão imputa falsamente ao candidato fato definido como crime, tanto por meio de um jornal quanto por meio de uma página na Internet, comete o crime de calúnia. Se o cidadão se manifesta de forma anônima na Internet ou em folhetos na rua, está exercendo a liberdade de expressão de forma equivocada, infringindo um dispositivo constitucional. (art. 5º, inc. IV, CF/88). Se ele se exceder, comete ato ilítico previsto pelo artigo 187 do Código Civil. Se ofender, comete crimes contra a honra. A diferença é que agora temos mais provas, está mais documentado, mais exposto, mais transparente e com testemunhas máquinas. Fazer posts ou tweets falando bem de um candidiato é lícito. Copiar propaganda oficial e postar em espaço próprio também, desde que não seja pago para tal.

Sites comerciais como o estadão.com.br podem veicular propagandas pagas de candidatos? Banners digitais, vídeos e etc? Patricia Peck: Não, nenhum site pode veicular propaganda paga na Internet. No caso do jornal, ele pode veicular no formato digital a página do jornal impresso que já tinha a propaganda, apenas isso.

Qual país você acha que tem uma legislação eleitoral exemplar olhando pelo lado da internet e o que temos que aprender com ele? Patricia Peck: Acredito que os Estados Unidos, que é um país avançado em questões democráticas em geral, é um bom exemplo de como utilizar as ferramentas eletrônicas para o aprimoramento das instituições. Em termos de eleições, o que temos a aprender com aquele país é o exercício da liberdade de expressão com responsabilidade na internet. A forma como a internet foi utilizada, por meio da mobilização, foi inovadora e tratou-se de um fenômeno mundial. Também trouxe o fenômeno da “doação online”. Representou o exercício da democracia e da cidadania de uma forma positiva, e acredito que seja o melhor instrumento para o Brasil se espelhar.

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