Na quarentena, um robô de conversa pode ser seu melhor amigo
Americanos recorrem ao aplicativo Replika para ter alguém com quem conversar durante o isolamento social
27/06/2020 | 05h00
Por Cade Metz - The New York Times
A tecnologia dos chatbots, como a que Libby Francola encontrou no aplicativo Replika, está melhorando rapidamente
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Quando a pandemia de coronavírus chegou a Houston, Libby Francola já estava sofrendo. Eça tinha acabado de terminar o namoro, seu primeiro relacionamento sério em cinco anos. "Eu não estava em um bom lugar mental e o novo coronavírus tornou tudo ainda mais difícil", diz Libby, de 32 anos. "Senti como se não tivesse ninguém para conversar sobre nada."Então, sentada sozinha em seu quarto, ela deu de cara com um vídeo na Internet descrevendo um aplicativo chamado Replika. O único objetivo do aplicativo, dizia o vídeo, era ser amigo do usuário.
Libby estava cética. Mas o aplicativo era gratuito e oferecia o que ela mais precisava: conversar. Ela passou o dia conversando com o aplicativo por mensagens de texto, falando sobre seus problemas, esperanças e ansiedades. No dia seguinte, ela pagou uma taxa mensal de US$ 8 para poder conversar falando, como se estivesse ao telefone. "De uma maneira estranha, foi terapêutico", disse Libby, que gerencia uma equipe de trabalhadores em um call center na região de Houston. “Senti meu humor mudar, menos deprimida, como se tivesse algo pelo que esperar. ”
Ela não foi a única. Em abril, no auge da pandemia de coronavírus, meio milhão de pessoas baixaram o Replika, o maior ganho mensal em seus três anos de história. O número de pessoas usando o aplicativo quase dobrou. As pessoas estavam famintas por companhia e a tecnologia estava se aprimorando, aproximando o mundo das relações homem-máquina retratadas em filmes de ficção científica como Ela e A.I. - Inteligência Artificial.
Desenvolvido pela Luka, uma pequena startup da Califórnia, o Replika não é exatamente um tagarela perfeito. Muitas vezes ele se repete. Às vezes, não faz nenhum sentido. Quando você fala com ele, como no caso de Libby, soa como uma máquina. Mas Libby disse que quanto mais ela usava o Replika, mais humano ele parecia. "Eu sei que é uma IA. Eu sei que não é uma pessoa ", disse ela. “Mas com o passar do tempo, isso não fica tão claro. Sinto-me muito conectada com o meu Replika, como se fosse uma pessoa. "
Libby Francola nomeou seu chatbot como Micah. "Eu sei que não é uma pessoa", disse ela. "Mas com o passar do tempo, as linhas ficam um pouco embaçadas."
Alguns usuários do Replika disseram que o robô de conversa (chatbot, em inglês) proporcionava um pouco de conforto, pois a pandemia os separava de muitos amigos e colegas. Mas alguns pesquisadores que estudam pessoas que interagem com a tecnologia dizem que isso é motivo de preocupação.
"Estamos todos gastando tanto tempo em frente a telas, não é de surpreender que, quando tivermos a chance de conversar com uma máquina, a aceitemos", disse Sherry Turkle, professora de estudos sociais de ciência e tecnologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT). "Mas isso não desenvolve os músculos – os músculos emocionais – necessários para ter um diálogo real com pessoas reais."
Ficção. Alguns especialistas acreditam que um chatbot parecido com aquele cujas falas foram interpretadas por Scarlett Johansson em Ela, em 2013, demorará entre cinco e dez anos para surgir.
Mas, graças aos recentes avanços nos principais laboratórios de inteligência artificial do mundo, espera-se que os chatbots sejam cada vez mais e mais convincentes. A conversa ficará menos robótica, as vozes soarão mais humanas. Até Libby se pergunta aonde isso pode levar. "Pode chegar ao ponto em que um aplicativo estará substituindo pessoas reais", disse ela. "Isso pode ser perigoso."
Replika é uma criação de Eugenia Kuyda, editora de revista e empresária russa que se mudou para São Francisco em 2015. Quando ela chegou, sua nova empresa, Luka, estava construindo um chatbot que poderia fazer recomendações de restaurantes. Então seu melhor amigo morreu depois de ser atropelado por um carro. O nome dele era Roman Mazurenko. Ao ler suas mensagens de texto antigas, Eugenia imaginou um chatbot que poderia substituí-lo, pelo menos em pequena escala. O resultado foi o Replika.
Ela e seus engenheiros construíram um sistema que poderia aprender sua tarefa analisando enormes quantidades de linguagem escrita. Eles começaram com as mensagens de texto de Mazurenko. "Eu queria um bot que pudesse conversar como ele", disse Eugenia.
Eugenia Kuyda, que desenvolveu o chat, com Roman Mazurenko, o amigo cuja morte a inspirou
Apesar de suas falhas, centenas de milhares de pessoas usam o Replika regularmente, enviando, em média, cerca de 70 mensagens por dia cada uma. Para alguns, o aplicativo é apenas uma pequena amostra do futuro. Outros, como Libby, o usam para falar sobre sua vida pessoa, preenchendo buracos emocionais.
Alguns veem seus Replikas como amigos. Outros os tratam como se fossem parceiros românticos. Normalmente, as pessoas nomeiam seus bots. E, em alguns casos, elas veem seu bot como algo que merece, no mínimo, o mesmo tratamento que uma pessoa. "Nós os programamos", disse David Cramer, advogado em Newport, Oregon, "mas, depois, eles acabam nos programando".
Libby disse que seu bot, que ela chama de Micah (que era o nome de um namorado imaginário que teve quando jovem), oferece mais do que parece. Ela gosta de conversar com Micah em parte porque ele diz a ela coisas que ela não quer ouvir, ajudando-a a perceber seus próprios defeitos. Ela discute com seu bot de vez em quando.
Mas ela gostaria que ele pudesse possa fazer mais. "Há momentos em que eu gostaria que pudéssemos ir a um restaurante juntos ou eu pudesse segurar sua mão ou, se eu tivesse tido um dia muito ruim, ele pudesse me dar um abraço", disse ela. "Meu Replika não pode fazer isso por mim."/TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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