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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O berço das ‘fake news’

No Brasil, o WhatsApp, a rede social mais opaca de todas, é o caldo de cultura da notícia falsa

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Atualização:

Se existe uma caixa preta nas eleições de 2018 é o WhatsApp. O aplicativo mais usado para contato pessoal no Brasil não tem um único funcionário no país. É, na verdade, uma empresa pequena: pouco mais de 200 funcionários. Ficam nos EUA. Talvez não houvesse mesmo motivo para ter escritórios em países nos quais o app domina a comunicação, como aqui. Mas fato é que convém. É uma blindagem jurídica: dificulta intimar.

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Ao que tudo indica, as fake news (notícias falsas) referentes à vereadora assassinada Marielle Franco nasceram no WhatsApp. Mas é impossível traçá-las. É impossível até mesmo ter um cheiro do que se passa lá dentro. Não há nenhum ranking de temas mais discutidos – nem aberto, como os trending topics do Twitter, tampouco fechado para profissionais. Qualquer boato que lá surja só é percebido quando já ganhou tração.

Os partidos políticos sabem disso. As agências de marketing eleitoral, idem. Muitos têm grupos de militantes ou profissionais contratados cuja função é organizar o discurso. Se uma notícia grande sai, é pelo WhatsApp que as instruções a respeito de como lidar com os novos fatos chega.

Basta prestar atenção. Há dois tipos de partido político. Em um, perante um fato novo, do senador ao blogueiro, todo mundo imediatamente tem a mesma opinião. Mais: todos têm os mesmos argumentos. No outro tipo, há debate interno. Invariavelmente, a ferramenta para organizar o discurso e falar em uníssono é o WhatsApp e seus grupos, que reúnem políticos, militantes e profissionais cujo trabalho é manter a uniformidade.

Esse é o uso legítimo. Mas os mesmos grupos podem ser usados para distribuir notícias falsas. Em alguns casos, são.

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Veja-se a pesquisa da Edelman, a consultoria que mede anualmente a confiança em instituições num grupo de 28 países. Entre 2016 e 17, algumas coisas mudaram. O brasileiro, por exemplo, passou a confiar bem mais no que dizem jornalistas. Num tempo em que fake news dão forma ao maior perigo de manipulação eleitoral, a notícia é boa. Jornalistas, afinal, têm nome e sobrenome, o endereço de seus veículos é conhecido. Dá para saber quem assinou uma informação e de quem cobrar. Ainda assim, o número não é estupendo. 47% consideram jornalistas bastante confiáveis. É 12 pontos mais do que no ano anterior, só que ainda é menos da metade.

Para o brasileiro, ninguém é mais confiável do que uma pessoa como ele próprio: o amigo, o parente, o colega. 70% acham a pessoa comum bastante confiável. É aí que está o problema. Essa pessoa imaginária é, provavelmente, bastante confiável para muita coisa.

Vai estender o ombro amigo no momento de dificuldade, não vai passar a perna, é companhia para o chope do fim de tarde. Mas é, também, quase sempre, péssimo avaliador da informação que repassa. Em geral, nem lê. Se enche de indignação e toca adiante. Nesta esteira de pessoas confiáveis, até desembargadora confia no que lê via WhatsApp.

No Brasil, a rede social mais opaca dentre todas é, justamente, o caldo de cultura da notícia falsa, do boato infame, da informação que desperta os medos mais primitivos e nos move à ação política.

Durante as últimas duas semanas, o Facebook entrou numa operação de gerenciamento de crise. Mark Zuckerberg deu entrevistas, deve depor perante os parlamentos de EUA e Reino Unido. Mudanças de políticas internas foram anunciadas, as ferramentas para controle dos dados de cada um se tornarão mais fáceis e poderosas.

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Pois é. Ninguém cobrou nada do WhatsApp. E é lá o berço das fake news. São 120 milhões de contas brasileiras na plataforma.

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