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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O caos americano

As grandes plataformas já não negam mais que o problema existe, é grande, e muito difícil de resolver. As consequências do mar de desinformação já estão nas ruas. E o ciclo se fecha com a campanha de reeleição de Trump. O que vai acontecer?

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Durante o debate, o presidente Donald Trump se recusou a afirmar que aceitará o resultado das eleições Foto: Olivier Douliery/Pool via AP

Todos os olhos devem se voltar para a eleição americana. O alerta para a relação problemática entre mídias sociais e democracia já deveria ter sido ligado bem antes. Se não na ascensão repentina dos populistas do Movimento Cinco Estrelas italianos, em 2014, pelo menos ainda em meados de 2016, quando baseados em mentiras os britânicos optaram num plebiscito por deixar a União Europeia. Mas não foi. O marco é novembro de 2016, quando Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos. Ali o alerta ligou. Quatro anos depois, as grandes plataformas já não negam mais que o problema existe, é grande, e muito difícil de resolver. As consequências do mar de desinformação já estão nas ruas. E o ciclo se fecha com a campanha de reeleição de Trump. O que vai acontecer?

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Há consequências de toda sorte. Esta última semana se iniciou um conflito armado no Azerbaijão, numa província onde vivem armênios. É um canto do mundo no qual as tensões étnicas e o peso da história estão presentes e não irão embora nunca. Líderes armênios e azerbaijanos estiveram esses dias na TV russa não só em reportagens como em debates. Teoricamente, os EUA também estão engajados nas negociações de paz. Mas não é a sério. O jogo está sendo tocado pelo presidente russo, Vladimir Putin.

A década de dez foi tudo que Putin queria. A espionagem russa tem um extenso departamento de desinformação. Em geral, suas técnicas são testadas na Ucrânia ou outros vizinhos, e depois empregadas mais além. Em parte, a desinformação que assolou o Reino Unido durante a campanha do Brexit foi russa. O mesmo na eleição americana. É impossível afirmar, com certeza, o tamanho da infiltração de Moscou ou o impacto real nos resultados. Mas o enfraquecimento da EU e uma postura nacionalista americana que faz o país se afastar de sua tradicional sobrepresença internacional ampliaram o espaço de ação para os russos. E eles de presto o ocuparam.

Este ano é muito diferente de 2016. As empresas que controlam as redes estão todas muito atentas e é de seu interesse que as eleições transcorram sem problemas. Isto não quer dizer que conseguirão evita-lo. Também esta semana, o Facebook anunciou que vai banir toda publicidade que insinue vitória eleitoral antes do resultado oficial.

É este o ponto ao qual a democracia americana chegou.

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Durante o debate, o presidente Donald Trump se recusou a afirmar que aceitará o resultado das eleições. E como a votação por correio vai ser intensa, é possível que não saibamos o resultado na madrugada de 3 de novembro. A não ser que um deles abra larga vantagem nos estados chaves, o que é improvável, serão precisos mais dois ou três dias de contagem. A campanha do Partido Republicano contra o sistema eleitoral já está intensa.

O medo é de que, insuflados por notícias falsas nas redes, eleitores do presidente tomem as ruas em protesto ou com violência argumentando que houve fraude. Ou que os eleitores democratas tomem as ruas com medo de que haja fraude. Num cenário em que a escolha de eleitores para o Colégio Eleitoral em alguns estados seja contaminada ou que o resultado da contagem vá parar na Suprema Corte, como aconteceu em 2000.

Não é absurdo imaginar um cenário em que a eleição americana desague em caos nas ruas, violência, e que o país termine cindido de forma ainda mais grave. Com pelo menos um dos lados convicto de que o resultado foi roubado.

George Washington foi eleito presidente em 1789. São 231 anos de eleições realizadas numa terça-feira no início de novembro a cada quatro anos. Uma vez, de fato, um grupo de eleitores contestou duro o resultado de um pleito. 6 de novembro, 1860. Abraham Lincoln vinha com a pauta da abolição. A Guerra Civil explodiu. E cá estamos em 2020, num mar de desinformação. Inacreditável.

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