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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O Facebook reinventa o debate público

O Facebook criou um Comitê de Supervisão. O compromisso da rede social é de que ninguém lá, nem mesmo Mark Zuckerberg, reverterá uma decisão tomada pelo conjunto.

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Facebook apontou nesta semana 20 membros para Comitê; outros 20 chegarão até o final do ano Foto: Reuters/Dado Ruvic

Em meio à pandemia, o risco é de que passe batido. Mas a instalação pelo Facebook de um Comitê de Supervisão é a a coisa mais importante que ocorre nas redes sociais em muito tempo. O Oversight Board, como é chamado em inglês, terá a missão de avaliar tudo aquilo que é alguma forma polêmico e é publicado no Facebook ou no Instagram. De certa forma, será um pouco Supremo Tribunal e também constituinte.

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É importante porque o jogo mudou. A decisão final sobre o conteúdo que fica e o que sai deixa de ser de uma empresa do Vale do Silício, acostumada a dilemas da tecnologia, e passa às mãos de um time com formação muito mais ampla. Advogados, ativistas de direitos humanos, jornalistas, professores. Ao todo vinte pessoas, gente que entende de abuso, de liberdade de expressão, de direito constitucional, de corrupção, de política, de pobreza. São divididos igualmente entre homens e mulheres e vêm de toda parte do mundo — há, inclusive, um brasileiro. O advogado e professor Ronaldo Lemos. Cada um terá mandato de três anos que poderá ser renovado em até mais duas vezes.

O Comitê é sustentado por um fundo de US$ 130 milhões e, por isso, não pode ser sufocado pela empresa. O compromisso do Facebook é de que ninguém lá, nem mesmo Mark Zuckerberg, reverterá uma decisão tomada pelo conjunto. No primeiro momento, pessoas poderão recorrer ao Comitê no caso de que uma publicação de autoria própria ser apagada. Quando a máquina estiver mais azeitada, será possível também recorrer nos casos de pedir para que algo seja retirado.

É um trabalho para lá de delicado. Como, evidentemente, haverá uma quantidade muito maior de pedidos do que o time conseguirá dar conta, eles já decidiram estabelecer prioridades. Vão prestar atenção mais em casos com impacto no mundo real. Questões relevantes para o debate público. Ou, então, discussões que ponham dúvidas nas políticas internas do próprio Facebook.

Questões polêmicas não faltarão: qual o limite entre a piada e o discurso de ódio? Quando um político publica informação de alguma maneira distorcida, o que deve ser mantido e o que não? Vídeos chocantes no momento de grandes tragédias devem ser retirados ou mantidos pela relevância jornalística? Estabelecer regras gerais é dificílimo.

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A iniciativa é excelente mas impõe dois debates que, a princípio, o Comitê não será capaz de dar conta de resolver. O primeiro é o debate sobre censura. Porque o Facebook impõe uma novidade ao mundo real. Quando Constituições democráticas estabelecem a liberdade de expressão e de imprensa, o que estão dizendo em verdade é que governos não podem sair proibindo as pessoas de publicarem o que pensam. Isso não vale para uma empresa privada. Um jornal, uma editora de livros ou o dono de um blog não são obrigados a publicar nada que não desejam, e podem apagar o que quiserem no espaço deles. Quem não pode atuar assim é o governo.

O Facebook é uma empresa privada. É só que suas páginas ocupam um espaço imenso no debate público de mais de uma centena de países. Negar espaço a alguém é limitar em muito a capacidade que uma pessoa tem de participar das discussões sobre a sociedade. Trata-se de uma empresa privada mais importante, até, que muitos países. Seu poder de censura, e agora o do Comitê, afeta democracias de uma forma que jamais ocorreu antes.

A segunda questão é a do algoritmo. Quem escreve o código de computador que decide o que muita gente vai ver e o que ninguém verá continua sendo o Facebook. Esta também é uma forma de censura e, nela, o Comitê não toca.

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