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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O fim do trabalho

É uma transformação que atingirá pobres e classe média de forma equivalente

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É no encontro entre retreino e nova economia que está a solução do emprego Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Algo me chamou a atenção de uma conversa com Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST e candidato à presidência pelo PSOL na última eleição. Foi durante o programa Segunda Chamada, veiculado pelo YouTube, e a conversa girava no entorno da necessidade de uma reforma da Previdência e da questão da viabilidade ou não dos direitos trabalhistas. É um debate antigo entre a esquerda clássica e liberais, ambas as visões conhecidas. Mas num momento, ao falar sobre automação, Boulos afirmou que esta era uma crise pontual, específica da indústria. E exemplificou: atendentes de telemarketing ou garis, trabalhadores do setor de serviços em geral, não correm tal risco.

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Ele está errado. As tecnologias para automatizar 100% do telemarketing ou da limpeza de rua já existem e chegam ao mercado em poucos anos. Como tudo no digital, é que nem Uber ou streaming de música e vídeo. Um dia ninguém sabe do que se trata, seis meses depois não há quem viva sem. Mas, na semana em que o futuro presidente Jair Bolsonaro afirmou que pretende extinguir o Ministério do Trabalho, a questão se torna ainda mais importante.

Afinal, o problema não é que Boulos, um psicanalista tornado ativista que luta por casa para gente muito pobre, desconheça o que já funciona no Vale do Silício. O problema é que, na política brasileira, ele é regra, não exceção. À esquerda e à direita.

Converse com alguns economistas da equipe do futuro governo, ou com as melhores cabeças de políticas públicas do PT e do PSDB. Talvez seja o fato de que tem gente demais na casa dos 60 anos que nunca se ligou muito nas coisas digitais. Mas ninguém registrou que uma vasta gama de profissões como as de contador, assistente executivo, atendente de telemarketing, motorista, caixa de qualquer loja e, sim, gari, estão em vias de extinção ao longo desta década que chega. É uma transformação histórica que atingirá pobres e classe média de forma equivalente. Muitas vezes políticos e técnicos que os orbitam até leram matérias sobre o assunto na imprensa — mas a ficha não caiu de que estamos próximos de uma crise de desemprego mundial que exigirá um projeto de transformação de Estado e Indústria de grande porte.

O problema de uma crise profunda assim, provocada por uma transformação de base tecnológica, é que as cartilhas ideológicas não oferecem solução. Os grandes filósofos descrevem o mundo que conheceram, aquele da Revolução Industrial. As questões, agora, são outras. Desregulamenta a indústria que o emprego vem, como pregam os neoliberais tacanhos, não resolve de nada o problema do emprego. Porque a tecnologia torna muitas formas de trabalho humano simplesmente desnecessárias. Isto posto, a solução da esquerda tacanha tampouco funciona: aumenta imposto, aumenta o Estado e sai tacando programa social. Porque a indústria brasileira já está obsoleta, os serviços digitais cada vez mais cruzam fronteiras sem imposto, e aumento de tributo só vai nos distanciar mais do século 21.

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Vai ser preciso criatividade e uma operação muito maior do que o New Deal americano para retreinar pessoas. Uma operação envolvendo a estrutura que já existe: as universidades públicas e particulares, assim como o setor de ensino do Sistema S. Tem de haver simultaneamente um boom na economia baseada em tecnologia de ponta. Não é só a digital: é também a genética, para citar um exemplo, uma óbvia vocação pátria.

Será necessária, em essência, a reinvenção do setor público e do setor privado, simultaneamente. É no encontro entre retreino e nova economia que está a solução do emprego. Mas, antes, será preciso enxergar o futuro próximo. Por enquanto, ainda estamos tentando resolver os problemas dos anos 1930.

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