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Por dentro da rede

Opinião|O futuro é imaterial

A internet não é responsável pelos danos eventuais que sofremos pelo seu mau uso.

Atualização:
A sala da UCLA onde ocorreu a primeira troca de mensagens da Arpanet Foto: Reuters/Fred Prouser

2019 será um ano marcante para a internet no mundo e no Brasil. Foi em outubro de 1969 que houve a primeira troca de mensagens entre computadores dentro do projeto Arpanet. São 50 anos. Em 18 de abril de 1989 o “.br” foi delegado pela Internet Assigned Numbers Authority (a Iana, na sigla em inglês, de Jon Postel) ao grupo que operava rede acadêmica na Fapesp. Foi também em 1989 que a RNP, Rede Nacional de Pesquisa, era oficialmente lançada. São 30 anos. Finalmente, foi em 2009, há 10 anos, que o CGI divulgou em forma final os “Princípios para a Governança e uso da Internet no Brasil”. 

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Esse decálogo, efusivamente recebido pela comunidade da internet mundial, seria o foco do debate que levaria à lei n.º 12.965 de 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet e, também, da discussão sobre a necessidade de proteção da privacidade, que redundou na Lei Geral de Proteção de Dados, n.º 13.709 de 14 de agosto de 2018.

Às vésperas da promulgação do Marco Civil, e atendendo a um convite do capítulo italiano da ISOC (Internet Society), Carlos Afonso e eu fomos até Roma para explicar e debater com parlamentares em que se constituía o Marco Civil. Nosso guia foi Stefano Trumpy, pioneiro da Internet na Itália e o primeiro gestor do domínio “.it”. Em Roma encontramos mais um Stefano, o Quintarelli, à época deputado do parlamento italiano e que estivera envolvido na criação do primeiro provedor de internet do país, o I.NET. Depois, a Itália também desenvolveu um conjunto de princípios na mesma linha do nosso.

Hoje, 5 de fevereiro, dia mundial por “uma internet mais segura”, Quintarelli, fará a palestra de encerramento do evento em São Paulo e lançará a versão em português de seu livro Instruções para Um Futuro Imaterial, com prefácio de Ricardo Abramovay e Rafael Zanatta, ambos da USP.

Quintarelli é otimista quanto ao futuro. Um dos pontos que defende, e com o qual concordo, é que não se deve opor o “real” ao “virtual”, ao menos não na semântica corriqueira de “virtual”. O que a internet potencializa, longe de ser algo “menos real”, é sim a superação das amarras do mundo físico. Se “criar com qualidade” continua sendo árduo e seletivo hoje, reproduzir, transportar, armazenar, distribuir são atividades simples, instantâneas e de custo quase nulo. A verdadeira disrupção ocorre nesse mergulho no “imaterial”, que provê grande capacidade e serviços, praticamente sem barreira de entrada...

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Aí é que “a porca torce o rabo”. Afinal, como se sustentam essas abundantes benesses? Claro que há mecanismos de monetarização, que podem ser mais ou menos éticos, mais ou menos transparentes, mais ou menos invasivos. E é nessa arena que se luta agora.  Não se trata de abandonar o que se conseguiu, mas tentar sobrepor a ele critérios legais e éticos. O otimismo de Quintarelli prevê, segundo ele, uma crescente regulação das atividades sobre a rede. É essa, aparentemente, a atual posição de boa parte da Europa também. 

Pessoalmente tenho sérias dúvidas sobre como essa eventual regulação poderia ser exercida. E mais receios ainda das consequências que ela traria para a internet livre e aberta. O decálogo deu-nos uma linha segura a trilhar: responsabilizar os agentes finais pelas suas ações. 

A internet (como a eletricidade, a telefonia, etc) não é responsável pelos danos eventuais que sofremos pelo seu mau uso. Desligá-la ou restringi-la não parece solução. Menos razoável, ainda, sua balcanização ou fragmentação. É um jogo de poder que apenas desponta, e para o qual devemos estar permanente atentos.

Opinião por Demi Getschko
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