EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O iPad mais caro do mundo é sinal de que precisamos de um pouco mais de liberalismo

O resultado prático da política de fazer com que produtos digitais sejam caros é só aumentar a desigualdade

PUBLICIDADE

Por
Atualização:
Brasil tem o iPad mais caro do mundo: produto custa R$ 30 mil Foto: Apple

Há duas semanas, a Apple anunciou sua nova linha de iPad — e o modelo mais caro, aquele com a melhor configuração, não é barato nem para padrões americanos:US$ 2,4 mil. Mas é mesmo um aparelho diferente, este iPad Pro. Ele é mais poderoso até do que alguns dos computadores da Apple. Se o preço fosse convertido direto para real, daria no Brasil R$ 13 mil, um quê a mais, um tanto a menos, dependendo do câmbio. Mas há os impostos. Aqui a Apple vai pedir R$ 30 mil pelo aparelho. É o iPad mais caro do mundo, de acordo com o site japonês Nukeni, especializado neste tipo de comparação.

PUBLICIDADE

Ainda segundo o Nukeni: as câmeras fotográficas Nikon e Canon, no Brasil, são as mais caras do mundo. Fones de ouvido Bose? Também recorde nosso — o modelo intra-auricular QuietConfort, por exemplo, sai aqui por R$ 2,8 mil e, na Austrália, por R$ 1,3 mil. O Oculus Quest 2, um dos melhores de realidade virtual que há, custam R$ 5,2 mil por aqui e R$ 2,1 mil nos EUA ou na China. As comparações são sempre com preços sugeridos pelas fabricantes em cada mercado.

Isto quer dizer algo muito simples. A política de cobrança de impostos de importação brasileira é uma jabuticaba. É coisa nossa, não dos vizinhos, de ninguém. Governos de esquerda e de direita tomaram, coletivamente, a decisão de que produtos digitais serão muitos caros no Brasil. O que ninguém pergunta é: isso faz algum sentido?

Um dos argumentos que vêm da esquerda é de que anos de política econômica liberal tornaram o Brasil mais desigual. O Brasil ficou mais desigual, sim, mas o que cada um chama de liberal é, ora, liberdade poética. Ou de marketing. Um dos pais do Bolsa Família petista, Ricardo Paes de Barros, é membro do Livres, o principal grupo liberal brasileiro. John Maynard Keynes morreu economista-chefe do Partido Liberal britânico, é tratado como liberal pelo principal colunista do Financial Times, Martin Wolf, assim como pelos editores da revista The Economist. Pode-se argumentar, claro, que os ingleses não sabem o que quer dizer ser “liberal”. Aliás, no Brasil, há muitos na esquerda e na direita que acreditam mesmo nisso. Que, no país de John Locke, não sabem.

Nossa política de tributação do que vem de fora é nacional-desenvolvimentista e nasce de um argumento dos anos 1950 — o de substituição de importações. A indústria brasileira deveria fabricar aqui aquilo que fazem outros países grandes. No plano geral este é um debate complexo e no qual cada um dos lados têm argumentos. No digital, não fica em pé um segundo. Os EUA inventaram o microprocessador, ao redor de onde o inventaram ergueram o Vale do Silício, e hoje até a Intel fabrica os seus em Taiwan. O Brasil não formará em massa o número de engenheiros necessários em menos de vinte anos, nem montará rápido a cadeia logística que fornece insumos para a indústria da Costa Pacífica da Ásia.

Publicidade

O resultado prático da política de fazer com que produtos digitais sejam caros é só aumentar a desigualdade. Porque temos o smartphone mais caro do mundo, na pandemia são as crianças pobres que ficam sem aula. Quem passeia pelas periferias do País vê ali uma panela de pressão empreendedora, com múltiplas ideias de negócios, de como se virar, de construir. Só que o sonho de ter a casa própria é legitimado mas o sonho de ser patrão de si mesmo e criar empregos, não é. Levantar uma empresa é dificílimo por muitos motivos, entre eles o de que equipamento digital é caro. Poderíamos ser competitivos em software — mas meninos e meninas demais não podem aprender a programar desde cedo.

Um cadinho de liberalismo nessa ponta ajudava muito a criar um país mais igualitário.

*É JORNALISTA 

Opinião por undefined
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.