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O legado de Aaron

Morte do hacker Aaron Swartz, que defendia a liberdade da informação na rede, abre discussão sobre leis nos EUA

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Morte do hacker Aaron Swartz, que defendia a liberdade da informação na rede, abre discussão sobre leis nos EUA

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SÃO PAULO – Dez dias após sua morte, o hacker e ativista Aaron Swartz movimenta o governo norte-americano. A comoção causada por sua atitude – Swartz cometeu suicídio em sua casa, em Nova York, na sexta-feira, 11, aos 26 anos –levou familiares, amigos, ativistas e políticos a se unirem para abraçar as causas pelas quais o hacker lutou. Ele enfrentava um processo na Justiça que poderia levá-lo a passar até 50 anos na prisão por baixar arquivos acadêmicos e publicá-los na internet.

A ação de seus familiares e amigos começou após o enterro. “Tristes, cansados, frustrados e furiosos com um sistema que permite o que aconteceu a Aaron”, descreveram seus apoiadores em um abaixo-assinado que pede mudanças na lei de crimes online nos Estados Unidos.

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O grupo é encabeçado por Lawrence Lessig, amigo de Swartz e criador das licenças Creative Commons. Eles pediram ajuda a políticos e advogados para definir penas mais brandas para as pessoas que são acusadas de crimes sem vítimas.

A iniciativa segue os passos de Swartz: terá articulação, ativismo e lobby, com ações claras e transparentes. A deputada democrata Zoe Lofgren já apresentou a chamada “Lei de Aaron”, que muda um aspecto fundamental da lei de crimes eletrônicos dos EUA: o que determina que o descumprimento de termos de uso de um site pode ser punido com anos de prisão. A Lei de Aaron propõe descriminalizar essa ação – seus defensores argumentam que os termos de uso são só contratos e, portanto, devem ser discutidos na esfera civil e não na criminal.

Herói. A morte de Swartz mobilizou a internet. Programador, hacker e ativista pelo acesso à informação, ele fez o seu primeiro trabalho relevante aos 13 anos – ajudou a criar o padrão RSS (para ver uma notícia ou post no momento em que são publicados).

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Além de ser respeitado na área técnica, ele também construiu uma carreira de ativismo. No início de 2012, foi um dos principais responsáveis pelo movimento que derrubou os projetos de lei antipirataria Sopa e Pipa, que poderiam censurar sites e serviços online. E foi o autor do “Manifesto da Guerrilha pelo Acesso Aberto”, que defende que informação é poder e, por isso, deve ser compartilhada livremente.

Suas ideias foram colocadas em prática. Em 2011, ele foi preso por usar a rede do Massachusetts Institute of Technology (MIT) para baixar todo o repositório do Jstor, uma publicação fechada de artigos científicos, e colocar o conteúdo na internet. A ação foi descoberta.

O Jstor decidiu não levar o processo adiante, mas o MIT deixou a procuradora do Estado, Carmen Ortiz, seguir nas suas acusações. Aaron pagou US$ 100 mil de fiança e enfrentou o processo em silêncio. Sua pena poderia chegar a 50 anos de prisão e a uma multa de US$ 1 milhão.

Carmen Ortiz divulgou uma nota na quarta-feira, 16, afirmando que recomendou a sentença de seis meses de prisão – e não a máxima. Os promotores ofereceram ao hacker a alternativa de passar seis meses na prisão, mas Aaron, seus familiares e advogados consideraram a proposta inaceitável.

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Há uma petição no site da Casa Branca que pede o afastamento da procuradora. O documento foi assinado por mais de 40 mil pessoas, número suficiente para que o texto tenha uma resposta oficial do governo dos EUA.

“A situação de Aaron destacou a injustiça das leis de crimes eletrônicos nos EUA, particularmente seus sistemas punitivos. O ato de Aaron foi sem dúvida ativismo político e teve consequências trágicas”, escreveu o grupo ativista Anonymous em uma mensagem postada no site do MIT, depois de ser invadido.

A postura do MIT no caso foi classificada como “vergonhosa” por Lawrence Lessig, e a instituição abriu uma investigação para apurar quem foi o responsável por levar o processo adiante.

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Memorial livre. A internet também se organizou rapidamente. Ativistas colocaram o acervo do Jstor no site de compartilhamento de arquivos Pirate Bay e criaram uma ferramenta chamada “Liberador Jstor”, que permite que qualquer pessoa entre e baixe – ilegalmente e anonimamente – um artigo acadêmico no site. Na nova ferramenta, em média, um arquivo é liberado a cada cinco minutos. O Jstor publicou em seu site uma nota onde declara profunda tristeza com a morte do ativista.

Na outra ponta, pesquisadores começaram de maneira desorganizada o movimento #pdftribute, publicando seus artigos acadêmicos online. O memorial, organizado no Twitter em forma de hashtag, já reúne dezenas de milhares de estudos – e virou um site, o Pdftribute.net.

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Liberar os artigos em PDF é um gesto simbólico pela defesa do conhecimento aberto. Críticos chegaram a comparar o #pdftribute ao ativismo online ingênuo da campanha Kony 2012, mas a hashtag cresceu – foram mais de 30 mil mensagens em dois dias. “Será este o fim das publicações científicas fechadas?”, questionou o Christian Hoggard, pesquisador de arqueologia, pelo Twitter.

O que Aaron Swartz diria sobre a campanha em sua homenagem? Um amigo do hacker, Danny O’Brien, do Comitê de Proteção de Jornalistas, fez piada. “Ele diria ‘eles escolheram me homenagear com PDFs? Será que o texto plano morreu junto comigo?”, twittou, com bom humor. É que quem hackeia informações costuma detestar o formato PDF – ele é fechado. O texto plano, sem formatação, facilita na hora de conseguir (e liberar) as informações.

MEMÓRIA

RSS | Aos 13 anos, Aaron trabalhou com inventor da web, Tim Berners- Lee, e colaborou para criar a primeira versão do RSS. “Eu tinha mais tempo livre”, disse ao Link em 2012

Reddit | Em seu curto período em Stanford, ele fundou o Infogami, empresa que depois originou o fórum Reddit

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Creative Commons | Após ler um artigo de jornal, Aaron contatou Lawrence Lessig e fez a arquitetura do projeto. Tinha 14 anos

UM CASO EMBLEMÁTICO

A trajetória e o caso de Aaron foram a capa do Link do dia 12 de abril de 2012. Ele deu uma entrevista por e-mail (disponível na íntegra aqui)

—-Leia mais:• Aaron Swartz (1986-2013)• Hacker réuLink no papel – 21/01/2013

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