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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O Natal do ódio

A inteligência artificial busca aquilo que mais chama atenção, o que mais inflama

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Reportagem do 'New York Times' revelou que Facebook tinha parcerias com mais de 150 companhias para partilhar dados sem consentimento. Foto: Joel Saget/AFP

Para os cristãos, o Natal tem inúmeros significados. Mas todos passam por família, por generosidade, gratidão. É um espírito que, noutros tempos, permeava mesmo quem vinha de outras tradições nessa época do ano. Este ano, porém, passamos cada um dos últimos meses antecipando as brigas em família no momento da ceia. Os muitos desencontros, quase sempre políticos. Há ódio que paira no ar. Mais leve aqui, mais pesado ali — mas um clima de que não conseguimos nos pacificar. Não há paz.

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Na última quarta-feira, o New York Times revelou que o Facebook repassou uma imensa quantidade de dados privados de seus usuários a algumas das gigantes de tecnologia. Na lista estão Microsoft, Amazon, Netflix e Spotify. As duas redes de streaming, por exemplo, tiveram acesso às mensagens privadas. Amazon e Microsoft puderam mapear as relações de amizade, quem conhece quem.  Esta concessão de dados ocorreu sem aparente consentimento formal de nenhum usuário e persistiu mesmo após o CEO, Mark Zuckerberg, afirmar aos parlamentares americanos que cada pessoa, em sua rede, tinha pleno controle sobre seus dados.

Quando já anoitecia na mesma quarta, Aleksandra Korlova, uma professora da Universidade do Sul da Califórnia, e Irfan Faizullabhoy, um engenheiro ex-Google, publicaram um estudo sobre como funciona a privacidade no Face. Os dois, militantes da causa da privacidade digital e ases técnicos, descobriram que a turma da rede engana. 

Mesmo que um usuário negue a anunciantes o direito de acessar sua localização geográfica nas preferências de privacidade, a informação é utilizada nas campanhas publicitárias. Até quando os dados de localização são negados ao app do Face no nível do sistema, seja iOS, seja Android, a rede persiste tendo acesso à informação. E a usa.

Críticas à maior das redes sociais vêm se amontoando faz tempo. Mas, até aqui, tudo podia ser atribuído a problemas técnicos, ingenuidade, até desleixo. Quando configurações de privacidade parecem dar a cada um controle que em verdade não existe, a coisa muda de figura.

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Pois foi um dia antes, na terça, que a Anistia Internacional publicou os resultados de um terceiro estudo – este, voltado para o Twitter. Trata-se, afirma a ONG, de um ambiente virtual tóxico para mulheres. Analisando os comentários recebidos por algumas centenas de políticas e jornalistas ao longo de 2017, percebeu uma enxurrada de comentários misóginos, homofóbicos e racistas. Setenta e um por cento dos tweets recebidos por estas mulheres eram ataques duros, grosseiros, com carga de violência. E mulheres negras foram atacadas 84% mais do que brancas.

O relatório da Anistia fez com que a Citron Research, uma empresa de análise de mercados de capitais, passasse a considerar o Twitter tóxico, também, para publicitários. “O Harvey Weinstein das redes sociais”, nas palavras do editor Andrew Left. A fama de misoginia deve afastar anunciantes, em sua análise.

O que houve conosco? As cenas da destruição em Paris, um par de semanas atrás, não são diferentes daquelas do Brasil em 2013. A virulência do debate político que nos toma é a mesma em Israel. É a mesma no Reino Unido. Na Espanha. Itália. EUA. Levamos ao segundo turno os dois lados que mais usaram metáforas de guerra para tratar de política.

O que mudou nos últimos dez anos foi a forma que nos comunicamos. Algoritmos, sempre eles. As mensagens que chegam a nós com mais frequência são escolhidas a dedo por uma inteligência artificial que busca aquilo que mais chama atenção. Aquilo que inflama.

Lembre disso na ceia de Natal.

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