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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O que trava democracias?

A polarização não é um fenômeno apenas americano: como uma doença que ataca o sistema imune das democracias, vem se espalhando pelo Ocidente

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Há um paper novo circulando que vai na contramão de uma leitura importante que se consolidou no cenário político. Assinado pelos economistas Levi Boxell e Matthew Gentzkow, de Stanford, e Jesse Shapiro, da Universidade de Brown, o estudo constrói um índice de polarização política entre adultos americanos. Conclui que as redes sociais não parecem ter responsabilidade pelo fato de as pessoas não estarem mais se entendendo.

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A conclusão surpreende. A polarização não é um fenômeno apenas americano: como uma doença que ataca o sistema imune das democracias, vem se espalhando pelo Ocidente. Ao fazê-lo, facilita a eleição de políticos radicais à esquerda e à direita ao mesmo tempo em que trava o trabalho do braço legislativo. Cada vez mais eleitores esperam que seus parlamentares sejam intransigentes, ceder na negociação é sinal de fraqueza, e assim com casas legislativas cindidas ao meio, ninguém mais busca saídas pelo centro e nada caminha.

Desde que Cass Sunstein, professor de Direito na Universidade de Chicago e assessor de Barack Obama publicou seu “Going to Extremes” (Indo a Extremos), em 2009, vem-se firmando a percepção de que a trava política se deu com o crescimento da internet. Na cronologia, confere. É entre finais dos anos 1990 e início da década seguinte que a conversa política começou a se perder do centro. E estudos pontuais parecem confirmar o conceito.

É verdade que na internet se encontra informação sobre tudo e, ao menos em teoria, ela abre caminhos para uma ampla gama de pontos de vista sobre qualquer tema. Mas ela facilita, também, que a natureza humana guie esta busca. Nossa natureza procura zonas de conforto. A maioria de nós não gosta de estar errado e prefere ver fatos e argumentos que confirmem crenças. Após um tempo lendo só as mesmas fontes, conversando apenas com semelhantes, a ilusão de que todo aquele conjunto de ideias é o único razoável se consolida. Perante quem discorda, não se vê mais democracia. Se vê um insulto à razão.

Ambientes de polarizados são o ninho da serpente. No primeiro momento, é gente próxima do centro que decide enxergar no outro lado um inimigo ao invés de um adversário. Mas, no ambiente que criam, os radicais se nutrem e logo grupos como os fascistas começam a se sentir à vontade. É nesta fase que nos encontramos.

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E é por isso que um estudo como o dos professores de Stanford e Brown é importante. Em 1960, nos EUA, 5% dos democratas e 5% dos republicanos afirmavam que se sentiriam incomodados se um filho casasse com alguém do outro lado. Em 2010, a afirmação fazia sentido para 50% dos republicanos e 30% dos democratas. Isto é polarização.

O que o estudo percebeu, porém, é que mergulhando nos dados de todos os trabalhos que mediram aumento da polarização política, logo vem à tona uma informação surpreendente. A repulsa ao outro lado é maior entre os mais velhos. Entre aqueles que, baseando-se em pesquisas demográficas, estão menos propensos a se informar pelas redes sociais. Nos EUA, quanto mais velha a pessoa for, maior a probabilidade de que ela tenha se radicalizado nos últimos tempos.

Não é uma conclusão precisa, dizem os professores. Repulsa ao outro lado também existe entre os jovens e é possível que as redes sociais tenham seu quinhão de responsabilidade. Só que as redes não explicam tudo.

Há uma força travando o funcionamento de democracias. A internet é parte do problema, mas não está sozinha. A preocupação pode até parecer demasiadamente acadêmica. Mas não é. É nosso futuro que está em jogo.

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